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21 dezembro 2013

O duplo grau de jurisdição e sua base no ordenamento jurídico Brasileiro.



José Claudio Barbosa Junior
Kener Italo Alves de Souza
Jéssika Karoline Nascimento
Larissa dos Reis Ricci
Laryssa Dias Campos Matias de Melo
Naisa Cristina Castanheira Batista

O duplo grau de Jurisdição consiste na possibilidade de revisão, por meio de recurso, dos julgados proferidos pelos magistrados de primeira instância. Assim, garante um novo julgamento, por parte dos órgãos da “jurisdição superior”.
O princípio funda-se na possibilidade da sentença de primeiro grau ser injusta ou equivocada, decorrendo assim a necessidade de permitir sua reforma em grau de recurso.
De acordo com a doutrina os recursos – meio de exercício efetivo do duplo grau de jurisdição – buscam seus fundamentos na necessidade psicológica, ínsita ao homem, de não se conformar perante uma única decisão, vez que é natural do ser humana não se submeter à imposição de outrem, quando esta lhe pode trazer algum gravame ou prejuízo. Ademais, a fragilidade dos conhecimentos dos seres humanos pode causar um erro de julgamento e o poder de decidir a apenas uma pessoa possibilita o arbítrio.
Entretanto, a doutrina vem apresentando grande divergência em considerar o duplo grau de jurisdição como um princípio de processo inserido na Constituição Federal, tendo em vista que não há previsão expressa no texto constitucional. Ademais, doutrina e jurisprudência divergem quanto ao tratamento conferido à recursividade, sendo incontroversa a existência de correntes diversas sobre o assunto.
As principais teses em defesa da natureza jurídica constitucional do duplo grau de jurisdição buscam a sua fundamentação no art. 5º, incisos e LV da CF/88, in verbis:
aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

Outras teses sustentam o princípio do duplo grau de Jurisdição na própria noção de Estado de Direito, na organização do Poder Judiciário e nos tratados internacionais.
Entretanto, o princípio em comento não é tratado de forma expressa nos textos legais nacionais, sendo assegurado de maneira implícita em nosso ordenamento jurídico. Decorre ele da própria estrutura atribuída ao Poder Judiciário, sendo previsto quando se estabelece que os tribunais do país, terão competência para julgar causas originariamente e em grau de recurso, incumbindo-se a Constituição nos artigos 102, II, 105, II e 108, II, de outorgar competência recursal a vários órgãos da jurisdição, reportando-se expressamente aos Tribunais, no art.93, III, como órgãos do Poder Judiciário de segundo instância. Dessas hipóteses que a Carta Maior enumera, evidentemente criou o duplo grau de jurisdição.
Contudo, quanto à tese de que o duplo grau seria derivação da organização constitucional do Poder Judiciário, Alexandre de Moraes argumenta que a constituição dispõe efetivamente sobre os juízes e Tribunais e prevê a existência de alguns recursos (ordinários constitucionais, especial, extraordinário), mas disso não se extrai a obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição.
Noutro norte, alguns doutrinadores defendem que a expressão “recursos”, deve ser interpretada de forma ampla, compreendendo a possibilidade de impugnação das decisões como maneira de controle social e interno da atividade jurisdicional, sendo elemento indissociável do Estado de Direito.
No contexto jurisprudencial surgiu o entendimento de que a garantia do devido processo legal envolve o direito à ampla defesa e ao duplo grau de jurisdição, tendo em vista que “o acesso à instância recursal superior consubstancia direito que se encontra incorporado ao sistema pátrio de direitos e garantias fundamentais”, comungando o entendimento doutrinário quanto à aplicação dos dispositivos do Pacto de San José da Costa Rica, por força do art. 5º, §2º da CF.
“Os princípios constitucionais são os conteúdos primários diretores do sistema jurídico-normativo fundamental de um Estado. Dotados de originalidades e superioridade material sobre todos os conteúdos que formam o ordenamento constitucional, os valores firmados pela sociedade são transformados pelo Direito em princípios. Adotados pelos constituintes, sedimentam-se nas normas, tornando-se, então, pilares que informam e conformam o Direito que rege as relações jurídicas no Estado. São eles, assim, as colunas mestres da grande construção do Direito, cujos fundamentos se afirmam no sistema constitucional[1]


Vale ressaltar, ainda, que uma corrente doutrinária minoritária se manifesta contrariamente ao princípio com base em três circunstâncias, são elas: a) não só os juízes de primeiro grau, mas também os da jurisdição superior podem cometer erros e injustiças, b) a decisão em grau de recurso quando confirma a sentença monocrática é inútil, c) a decisão que reforma a sentença é nociva, pois dá margem a dúvidas quanto à correta aplicação do direito.
Entretanto, é conveniente dar a parte vencida uma possibilidade de reexame da decisão, vez que os tribunais de segundo grau, formados por julgadores mais experientes e constituindo-se em órgãos colegiados, oferecem maior segurança; e está psicologicamente comprovado que o magistrado monocrática se cerca de maiores cuidados no julgamento quando sabe que sua decisão poderá ser revista pelos tribunais superiores.
Ademais, o duplo grau de jurisdição dá maior confiabilidade à aplicação do Direito, com a proteção ou restauração do direito violado e por isso se encontra sólido nas legislações, uma revisão da relação jurídica é necessário para a efetiva garantia da proteção jurisdicional.
O principal fundamento para o duplo grau de jurisdição é de que nenhum ato estatal pode ficar imune dos necessários controles. Ainda mais o poder Judiciário, onde seus membros não são eleitos pelo povo e por isso não há controle popular sobre os exercícios de sua função jurisdicional.
Como já mencionado, esse princípio não é garantido de modo expresso na lei, mas a nossa Constituição incube de atribuir a competência recursal a vários órgãos. Ademais as leis infraconstitucionais disciplinam como se procede em relação ao duplo grau de jurisdição.
Importante salientar ainda que o referido princípio assegura maiores controvérsias dentro do processo, garantindo a ampla defesa e o contraditório, contudo, sua exigência como regra obrigatória no sistema jurídico brasileiro é conteúdo que envolve notória divergência entre doutrinadores da ciência jurídica, principalmente quando se fala em celeridade e em duração razoável do processo.
Em relação ao reconhecimento da natureza jurídica constitucional do princípio em comento, a jurisprudência do STF, baseada na ratificação do Pacto de San José da Costa Rica pelo Brasil, demonstrou no julgamento do acórdão RHC nº 79.785/RJ, no qual o Ministro Sepúlveda Pertence defendeu que o duplo grau não poderia ser erigido a princípio ou garantia na Constituição de 1988 porque as previsões do julgamento de única instância ordinária pelo STF, previstas no art. 102, I, desnaturam a eficácia instrumental que lhe é atribuída através de seus fundamentos: reexame da matéria por órgão diverso e hierarquicamente superior. Por esta razão, entende que o art. 8º, 2, “h”, do Pacto de San José da Costa Rica, deve ser recepcionado cun granus salis, em respeito aos limites recursais estabelecidos pela própria Constituição. Este posicionamento foi ratificado em julgamento posterior, com a declaração de que:

“não há, no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, devendo prevalecer a Constituição Federal em relação aos tratados e convenções internacionais”.

Diante de todo o exposto, é possível dizer que nenhum ato estatal pode escapar de controle e, como tal, a revisão das decisões judiciárias constitui postulado do Estado de Direito, através do qual se realiza o controle interno, exercido por órgão diverso do que julgou em primeiro grau, para aferir a legalidade e a justiça da decisão por este proferida.[2]


[1]ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1994, p. 25.

[2] GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit, p. 321