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21 dezembro 2013

O duplo grau de jurisdição e sua base no ordenamento jurídico Brasileiro.



José Claudio Barbosa Junior
Kener Italo Alves de Souza
Jéssika Karoline Nascimento
Larissa dos Reis Ricci
Laryssa Dias Campos Matias de Melo
Naisa Cristina Castanheira Batista

O duplo grau de Jurisdição consiste na possibilidade de revisão, por meio de recurso, dos julgados proferidos pelos magistrados de primeira instância. Assim, garante um novo julgamento, por parte dos órgãos da “jurisdição superior”.
O princípio funda-se na possibilidade da sentença de primeiro grau ser injusta ou equivocada, decorrendo assim a necessidade de permitir sua reforma em grau de recurso.
De acordo com a doutrina os recursos – meio de exercício efetivo do duplo grau de jurisdição – buscam seus fundamentos na necessidade psicológica, ínsita ao homem, de não se conformar perante uma única decisão, vez que é natural do ser humana não se submeter à imposição de outrem, quando esta lhe pode trazer algum gravame ou prejuízo. Ademais, a fragilidade dos conhecimentos dos seres humanos pode causar um erro de julgamento e o poder de decidir a apenas uma pessoa possibilita o arbítrio.
Entretanto, a doutrina vem apresentando grande divergência em considerar o duplo grau de jurisdição como um princípio de processo inserido na Constituição Federal, tendo em vista que não há previsão expressa no texto constitucional. Ademais, doutrina e jurisprudência divergem quanto ao tratamento conferido à recursividade, sendo incontroversa a existência de correntes diversas sobre o assunto.
As principais teses em defesa da natureza jurídica constitucional do duplo grau de jurisdição buscam a sua fundamentação no art. 5º, incisos e LV da CF/88, in verbis:
aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

Outras teses sustentam o princípio do duplo grau de Jurisdição na própria noção de Estado de Direito, na organização do Poder Judiciário e nos tratados internacionais.
Entretanto, o princípio em comento não é tratado de forma expressa nos textos legais nacionais, sendo assegurado de maneira implícita em nosso ordenamento jurídico. Decorre ele da própria estrutura atribuída ao Poder Judiciário, sendo previsto quando se estabelece que os tribunais do país, terão competência para julgar causas originariamente e em grau de recurso, incumbindo-se a Constituição nos artigos 102, II, 105, II e 108, II, de outorgar competência recursal a vários órgãos da jurisdição, reportando-se expressamente aos Tribunais, no art.93, III, como órgãos do Poder Judiciário de segundo instância. Dessas hipóteses que a Carta Maior enumera, evidentemente criou o duplo grau de jurisdição.
Contudo, quanto à tese de que o duplo grau seria derivação da organização constitucional do Poder Judiciário, Alexandre de Moraes argumenta que a constituição dispõe efetivamente sobre os juízes e Tribunais e prevê a existência de alguns recursos (ordinários constitucionais, especial, extraordinário), mas disso não se extrai a obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição.
Noutro norte, alguns doutrinadores defendem que a expressão “recursos”, deve ser interpretada de forma ampla, compreendendo a possibilidade de impugnação das decisões como maneira de controle social e interno da atividade jurisdicional, sendo elemento indissociável do Estado de Direito.
No contexto jurisprudencial surgiu o entendimento de que a garantia do devido processo legal envolve o direito à ampla defesa e ao duplo grau de jurisdição, tendo em vista que “o acesso à instância recursal superior consubstancia direito que se encontra incorporado ao sistema pátrio de direitos e garantias fundamentais”, comungando o entendimento doutrinário quanto à aplicação dos dispositivos do Pacto de San José da Costa Rica, por força do art. 5º, §2º da CF.
“Os princípios constitucionais são os conteúdos primários diretores do sistema jurídico-normativo fundamental de um Estado. Dotados de originalidades e superioridade material sobre todos os conteúdos que formam o ordenamento constitucional, os valores firmados pela sociedade são transformados pelo Direito em princípios. Adotados pelos constituintes, sedimentam-se nas normas, tornando-se, então, pilares que informam e conformam o Direito que rege as relações jurídicas no Estado. São eles, assim, as colunas mestres da grande construção do Direito, cujos fundamentos se afirmam no sistema constitucional[1]


Vale ressaltar, ainda, que uma corrente doutrinária minoritária se manifesta contrariamente ao princípio com base em três circunstâncias, são elas: a) não só os juízes de primeiro grau, mas também os da jurisdição superior podem cometer erros e injustiças, b) a decisão em grau de recurso quando confirma a sentença monocrática é inútil, c) a decisão que reforma a sentença é nociva, pois dá margem a dúvidas quanto à correta aplicação do direito.
Entretanto, é conveniente dar a parte vencida uma possibilidade de reexame da decisão, vez que os tribunais de segundo grau, formados por julgadores mais experientes e constituindo-se em órgãos colegiados, oferecem maior segurança; e está psicologicamente comprovado que o magistrado monocrática se cerca de maiores cuidados no julgamento quando sabe que sua decisão poderá ser revista pelos tribunais superiores.
Ademais, o duplo grau de jurisdição dá maior confiabilidade à aplicação do Direito, com a proteção ou restauração do direito violado e por isso se encontra sólido nas legislações, uma revisão da relação jurídica é necessário para a efetiva garantia da proteção jurisdicional.
O principal fundamento para o duplo grau de jurisdição é de que nenhum ato estatal pode ficar imune dos necessários controles. Ainda mais o poder Judiciário, onde seus membros não são eleitos pelo povo e por isso não há controle popular sobre os exercícios de sua função jurisdicional.
Como já mencionado, esse princípio não é garantido de modo expresso na lei, mas a nossa Constituição incube de atribuir a competência recursal a vários órgãos. Ademais as leis infraconstitucionais disciplinam como se procede em relação ao duplo grau de jurisdição.
Importante salientar ainda que o referido princípio assegura maiores controvérsias dentro do processo, garantindo a ampla defesa e o contraditório, contudo, sua exigência como regra obrigatória no sistema jurídico brasileiro é conteúdo que envolve notória divergência entre doutrinadores da ciência jurídica, principalmente quando se fala em celeridade e em duração razoável do processo.
Em relação ao reconhecimento da natureza jurídica constitucional do princípio em comento, a jurisprudência do STF, baseada na ratificação do Pacto de San José da Costa Rica pelo Brasil, demonstrou no julgamento do acórdão RHC nº 79.785/RJ, no qual o Ministro Sepúlveda Pertence defendeu que o duplo grau não poderia ser erigido a princípio ou garantia na Constituição de 1988 porque as previsões do julgamento de única instância ordinária pelo STF, previstas no art. 102, I, desnaturam a eficácia instrumental que lhe é atribuída através de seus fundamentos: reexame da matéria por órgão diverso e hierarquicamente superior. Por esta razão, entende que o art. 8º, 2, “h”, do Pacto de San José da Costa Rica, deve ser recepcionado cun granus salis, em respeito aos limites recursais estabelecidos pela própria Constituição. Este posicionamento foi ratificado em julgamento posterior, com a declaração de que:

“não há, no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, devendo prevalecer a Constituição Federal em relação aos tratados e convenções internacionais”.

Diante de todo o exposto, é possível dizer que nenhum ato estatal pode escapar de controle e, como tal, a revisão das decisões judiciárias constitui postulado do Estado de Direito, através do qual se realiza o controle interno, exercido por órgão diverso do que julgou em primeiro grau, para aferir a legalidade e a justiça da decisão por este proferida.[2]


[1]ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1994, p. 25.

[2] GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit, p. 321

13 setembro 2013

NULIDADES NO PROCESSO PENAL

NULIDADES
Artigos 563 a 573, CPP.

  • Nulidade é um vício processual decorrente da inobservância de exigências legais capaz de invalidar o processo no todo ou em parte.
  • Para José Frederico Marques, “a nulidade é uma sanção que, no processo penal, atinge a instância ou o ato processual que não estejam de acordo com as condições de validade impostas pelo Direito objetivo” (Elementos, cit., v. 2, p. 397).
  • Júlio Fabbrini Mirabete afirma que “há na nulidade duplo significado: um indicando o motivo que torna o ato imperfeito, outro que deriva da imperfeição jurídica do ato ou sua inviabilidade jurídica. A nulidade, portanto, é, sob um aspecto, vício, sob outro, sanção” (Código de Processo Penal interpretado, cit., p. 629).
  • Embora o Código de Processo Penal seja confuso e assistemático a respeito do tema “nulidades”, é possível tentar estabelecer padrões de comparação entre os vícios processuais, de acordo com a sua relevância, intensidade e repercussão para o processo.
  • Desse modo, podemos classificar os vícios processuais em:

a)      Irregularidade: desatende a exigências formais sem qualquer relevância.

·         A formalidade violada está estabelecida em norma infraconstitucional e não visa resguardar o interesse de nenhuma das partes. Ex: Falta compromisso testemunha; erro gráfico evidente.

·         Por essa razão, seu desatendimento é incapaz de gerar prejuízo, não acarreta a anulação do processo em hipótese alguma e não impede o ato de produzir seus efeitos e atingir a sua.

         Podemos, assim, enumerar as seguintes características da irregularidade: 
—formalidade estabelecida em lei (norma infraconstitucional);
— exigência sem qualquer relevância para o processo;

— não visa garantir interesse de nenhuma das partes;

— a violação é incapaz de gerar qualquer prejuízo;

— não invalida o ato e não traz qualquer consequência para o processo.

b) Nulidade relativa: viola exigência estabelecida pelo ordenamento legal (infraconstitucional), estabelecida no interesse predominante das partes. A Formalidade é essencial ao ato, pois visa resguardar interesse de um dos integrantes da relação processual, não tendo um fim em si mesma. Por esta razão, seu desatendimento é capaz de gerar prejuízo, dependendo do caso concreto. O interesse, no entanto, é muito mais da parte do que de ordem pública, e, por isso, a invalidação do ato fica condicionada à demonstração do efetivo prejuízo e à arguição do vício no momento processual oportuno.

Ex: Art. 564, III, “d”, “g”, “h”; IV, CPP; mais 567 a 570, CPP;

 São estas, portanto, suas características básicas:

— formalidade estabelecida em ordenamento infraconstitucional;

— finalidade de resguardar um direito da parte;

— interesse predominante das partes;

— possibilidade de ocorrência de prejuízo;

necessidade de provar a ocorrência do efetivo prejuízo, já que este pode ou não  ocorrer;

— necessidade de arguição oportuno tempore, sob pena de preclusão;

— necessidade de pronunciamento judicial para o reconhecimento.


C) Nulidade absoluta: nesse caso, a formalidade violada não está estabelecida simplesmente em lei, havendo ofensa direta ao Texto Constitucional, mais precisamente aos princípios constitucionais do devido processo legal (ausência de ampla defesa, contraditório, publicidade, motivação das decisões  judiciais, juiz natural, etc.). Ex: Art. 564, I, II e III, a, b, c, e (1ª parte), i, j, k, l, m, n, o, p.

“O ato processual inconstitucional, quando não juridicamente inexistente, será sempre absolutamente nulo, devendo a nulidade ser decretada de ofício, independentemente de provocação da parte interessada” (Grinover, Scarance e Magalhães, As nulidades no processo penal, cit., p. 21).

  • As exigências são estabelecidas muito mais no interesse da ordem pública do que propriamente no das partes, e, por esta razão, o prejuízo é presumido e sempre ocorre.
  • A nulidade absoluta também prescinde de alegação por parte dos litigantes e jamais preclui, podendo ser reconhecida ex officio pelo juiz, em qualquer fase do processo. São nulidades insanáveis, que jamais precluem.
  • A única exceção é a Súmula 160 do STF, que proíbe o Tribunal de reconhecer ex officio nulidades, absolutas ou relativas, em prejuízo do réu.
  • Para ser reconhecida, a nulidade absoluta exige um pronunciamento judicial, sem o qual o ato produzirá seus efeitos.
  • Suas características:

— há ofensa direta a princípio constitucional do processo;

— a regra violada visa garantir interesse de ordem pública, e não mero interesse das partes;

— o prejuízo é presumido e não precisa ser demonstrado;

— não ocorre preclusão; o vício jamais se convalida, sendo desnecessário arguir a nulidade no primeiro momento processual; o juiz poderá reconhecê-la ex officio a qualquer momento do processo;

depende de pronunciamento judicial para ser reconhecida.


  As regras diferenciadoras entre nulidade absoluta e relativa devem se adequar ao disposto na Súmula 523 do STF: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade ABSOLUTA, mas a sua deficiência (RELATIVA) só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.

 Trata-se de exceção aos critérios acima indicados, pois, no caso de ofensa à ampla defesa, embora se trate de princípio constitucional, sua ofensa acarretará nulidade absoluta somente quando a violação importar em total aniquilamento da defesa do acusado.

  Portanto, “a eiva de nulidade por cerceamento de defesa há que ser cabalmente demonstrada, não se constituindo motivo ensejador para que se anule o processo a mera presunção de lesão para uma das partes” (STJ, RSTJ, 18/396; no mesmo sentido, STJ, RSTJ, 8/144).

d) Inexistência: ato inexistente é aquele que não reúne elementos sequer para existir como ato jurídico. São os chamados não atos, como, por exemplo, a sentença sem dispositivo (conclusão) ou assinada por quem não é juiz; Júri simulado.

  Ao contrário da nulidade (relativa ou absoluta), a inexistência não precisa ser declarada pelo juiz, bastando que se ignore o ato e tudo o que foi praticado em sequência, pois o que não existe é o “nada”, e o “nada” não pode provocar coisa alguma.

  Por exemplo, no caso de sentença que julgar extinta a Punibilidade do agente, nos termos do art. 107, I, do Código Penal, com base em Certidão de óbito falsa, o Supremo Tribunal Federal, contrariando a posição doutrinária dominante, considera presente o vício da inexistência, e não da nulidade absoluta (RTJ, 104/1063 e 93/986).

  Assim, basta desconsiderar a certidão do trânsito em julgado e a sentença, e proferir nova decisão. Caso se entendesse ocorrer nulidade absoluta, nada mais se poderia fazer, por não se admitir, em nosso Direito, a revisão pro societate (não seria possível obter um pronunciamento judicial sobre a nulidade).

  Igualmente, nos casos em que a lei prevê o cabimento do recurso oficial ou necessário (sentença concessiva de habeas corpus ou de reabilitação criminal etc.), se o juiz não remeter os autos à instância superior, será considerada inexistente a certidão do trânsito em julgado, bastando ignorá-la e enviar os autos ao tribunal, enquanto não decorrido o prazo prescricional (Súmula 423 do STF).

  É bom lembrar o entendimento de Grinover, Scarance e Magalhães, no sentido de que, mesmo no caso da inexistência, não poderá ser violada a garantia da coisa julgada, em prejuízo do réu. Isto porque “... o rigor técnico da ciência processual há de ceder perante princípios maiores do favor rei e do favor libertatis” (As nulidades no processo penal, cit., p. 46).




Princípio do prejuízo

  “Nenhum ato processual será declarado nulo, se da nulidade não tiver resultado prejuízo para uma das partes” (pas de nullité sans grief art. 563, do CPP).

 Esse princípio não se aplica à nulidade absoluta, na qual o prejuízo é presumido, sendo desnecessária a sua demonstração.

  Somente quanto às nulidades relativas aplica-se este princípio, dada a exigência de comprovação do efetivo prejuízo para o vício ser reconhecido.

  Atualmente, a tendência da jurisprudência é não se apegar a fórmulas sacramentais, deixando, portanto, de decretar a eiva quando o ato acaba atingindo a sua finalidade, sem causar gravame para as partes.

Princípio da instrumentalidade das formas ou da economia processual


  Segundo esse princípio, a forma não pode ser considerada um fim em si mesma, ou um obstáculo insuperável, pois o processo é apenas um meio para se conseguir solucionar conflitos de interesse, e não um complexo de formalidades sacramentais e inflexíveis.

  Assim, dispõe ele que “não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa” (CPP, art. 566). Não tem sentido declarar nulo um ato, sem qualquer influência no deslinde da causa, apenas por excessivo apego ao formalismo.

  O art. 572, II, CPP, reforça essa ideia, ao dispor que certas irregularidades serão relevadas, “se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido o seu fim”.

       Princípio da causalidade ou da sequencialidade

  “A nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência” (CPP, art. 573, § 1º e §2º)

  Segundo o Código de Processo Penal, somente os atos dependentes ou que sejam consequência do viciado serão atingidos.

  Assim, se, por exemplo, é colhido um depoimento de testemunha de defesa, antes de encerrada a colheita da prova oral acusatória, basta que se anule o testemunho prestado antes do momento processual correto, sem que haja necessidade de invalidar os depoimentos já prestados pelas testemunhas de acusação. Contudo, no caso de nulidade da citação, anulados serão todos os atos seguintes, diante do evidente nexo de dependência em relação àquela.

  Obs.: Afirma-se, com razão, que a nulidade dos atos da fase postulatória do processo se propaga sempre para os demais atos, enquanto a nulidade dos atos de instrução, normalmente, não contamina os outros atos de aquisição de provas validamente realizados (Grinover, Scarance e Magalhães, As nulidades no processo penal, cit., p. 27).


Princípio do interesse


       Só pode invocar a nulidade quem dela possa extrair algum resultado positivo ou situação favorável dentro do processo. Portanto, ninguém pode alegar nulidade que só interesse à parte contrária (CPP, art. 565, segunda parte).

       Trata-se de falta de interesse processual, decorrente da total ausência de sucumbência (no processo penal, a aplicação dessa regra é limitada, pois, na ação pública, o Ministério Público terá sempre como objetivo a obtenção de título executivo válido, razão pela qual não se pode negar seu interesse na obediência de todas as formalidades legais, inclusive as que asseguram a participação da defesa).

       A lei também não reconhece o interesse de quem tenha dado causa à irregularidade, aplicando-se o preceito nemo auditur propriam turpitudinem allegans. Assim, dispõe o art. 565, primeira parte, do CPP, que: “Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido”.


Princípio da convalidação


  • As nulidades relativas estarão sanadas, se não forem arguidas no momento oportuno (art. 572, I, CPP). O instituto da preclusão decorre da própria essência da atividade processual; processo, etimologicamente, significa “marcha para a frente”, e, sendo assim, não teria sentido admitir-se que a vontade das partes pudesse, a qualquer tempo, provocar o retrocesso a etapas já vencidas no curso procedimental.
  • O art. 571 estabelece o momento em que as nulidades relativas devam ser alegadas, sob pena de convalidação do ato viciado
  • Outro caso de convalidação é o do art. 569, segundo o qual, “as omissões da denúncia ou da queixa, ... poderão ser supridas a todo o tempo, antes da sentença final”.
  • Finalmente, o art. 570 dispõe que o comparecimento do interessado, ainda que somente com o fim de arguir a irregularidade, sana a falta ou nulidade da citação. Convém, contudo, lembrar o oportuno esclarecimento prestado pelo extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, no julgamento da Apelação n. 377.261/5: “É inadmissível aceitar-se como válido interrogatório do réu se não foi ele regularmente citado, pois o comparecimento a Juízo supre a falta de citação na medida em que se assegure ao réu aquilo que a citação lhe traria, ou seja, a ciência prévia da imputação e a oportunidade de orientar-se com advogado”.

Princípio da não preclusão e do pronunciamento “ex officio”


  • As nulidades não precluem e podem ser reconhecidas independentemente de arguição pela outra parte.
  • Tal princípio somente é aplicável às nulidades absolutas, as quais poderão ser conhecidas de ofício, a qualquer tempo, pelo juiz ou Tribunal, enquanto a decisão não transitar em julgado.

Nulidades em espécie


  O art. 564 do Código de Processo Penal elenca os seguintes casos de nulidade:

I — por incompetência, suspeição ou suborno do juiz;”

a) Incompetência

  Competência é a medida da jurisdição, estabelecendo os limites do exercício do poder jurisdicional pelo juiz.

  Podemos classificar a competência em: competência de jurisdição (jurisdição comum e especializada), competência hierárquica (competência do órgão inferior ou competência originária do órgão superior), competência de foro ou ratione loci (territorial), competência em razão da matéria (estabelece o juízo competente) e competência recursal (em razão de recurso).

  b) Suspeição e suborno do juiz

  Suspeição e impedimento, ao contrário do que sucede no Código de Processo Civil, distinguem-se  perfeitamente no Código de Processo Penal.

O impedimento é causa geradora de inexistência, e não apenas nulidade, dos atos praticados, uma vez que priva o juiz da jurisdictio.

  Hélio Tornaghi observa, com muito acerto, que o “impedimento priva o juiz do exercício da jurisdição”, ao reverso da suspeição, que apenas “enseja a abstenção ou recusa do juiz” (Processo penal, 1955, v. 2, p. 154). Daí o motivo de ter o Código de Processo Penal feito menção apenas ao juiz suspeito, no seu art. 564, inciso I.

“II — por ilegitimidade de parte”

  Pode ser ad causam ou ad processum.

  • Na ilegitimidade ad causam, lembrando a lição de Buzaid, ocorre a impertinência subjetiva da ação, em razão de o autor não ser o titular da ação ajuizada, ou de o réu não poder integrar a relação jurídica processual, quer por não ser imputável (MENOR, DOENTE MENTAL), quer por não ter evidentemente concorrido (AUTORIA) para a prática do fato típico e ilícito. Por exemplo, denúncia oferecida contra menor de dezoito anos, contra vítima ou testemunha; propositura de ação penal privada pelo Ministério Público ou de ação pública pelo ofendido.
  • Neste caso, torna-se desnecessário chegar ao mérito, porque há uma preliminar impedindo seu exame.
  • A ilegitimidade ad processum decorre da falta de capacidade postulatória do querelante ou incapacidade para estar em juízo. No primeiro caso, o querelante leigo assina sozinho a queixa-crime; no segundo, o ofendido menor de 18 anos ajuíza a ação privada sem estar representado por seu representante legal.
  • Segundo o art. 568 do CPP: “A nulidade por ilegitimidade do representante da parte poderá ser a todo tempo sanada, mediante ratificação dos atos processuais”. Este dispositivo cuida apenas da hipótese de ilegitimidade ad processum, que, por ser convalidável mediante ratificação posterior, é considerada causa de nulidade relativa.

III — por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:”

  Após os dois incisos anteriores, elencando como causas geradoras de nulidade, a incompetência, a suspeição, o suborno e a ilegitimidade de parte, o Código de Processo Penal, no inciso III, art. 564, CPP, enumera alguns casos em que poderá ocorrer este vício processual.

a) Falta do preenchimento dos requisitos no oferecimento da denúncia ou queixa, ou na representação do ofendido ou requisição do ministro da justiça.

  A denúncia e a queixa são peças fundamentais, não só por promoverem o nascimento da relação jurídica processual, como também porque são instrumentos através dos quais é formulada a acusação, imputando-se a alguém o cometimento de infração penal e pedindo-se a sua condenação.

  Impõe-se, portanto, que descrevam de forma clara e precisa a conduta criminosa, a fim de poder o réu exercer com amplitude a sua defesa, sabendo do que é acusado.

Exemplos:

 Falta de exame de corpo de delito nos delitos não transeuntes, que são os que deixam vestígios.

  O corpo de delito, na clássica definição de João Mendes, é o conjunto dos elementos sensíveis do fato criminoso, ou seja, os vestígios do crime.

  Diz-se direto quando reúne elementos materiais do fato imputado, incidindo diretamente sobre os vestígios do crime; indireto, se, por qualquer outro meio que não o exame direto dos vestígios, evidencia a existência do acontecimento delituoso.

  A prova pericial constitui no processo criminal um dos meios mais seguros e eficazes de esclarecer a verdade, devendo sua realização ser determinada pela autoridade policial, logo após o conhecimento da prática da infração penal, e pelo juiz, durante a instrução criminal.

  Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do  acusado” (CPP, art. 158).

  Súmula 361do STF, segundo a qual: “No processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito (SE NÃO OFICIAL), considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência de apreensão”.

  Diante disso, se apenas um perito subscrevesse o laudo desse exame, incidia a citada súmula, quer se tratasse de perito oficial, quer se tratasse de perito não oficial. A nulidade seria relativa.

  Com as modificações introduzidas pela Lei n. 11.690/2008, a Súmula 361 do STF apenas terá aplicação na hipótese de exame realizado por peritos não oficiais, pois, em se tratando de perícia oficial, bastará o exame de um só perito.

  Cuida-se de nulidade relativa, cuja impugnação há de ser feita em tempo oportuno, bem como demonstrado o efetivo prejuízo. Finalmente, cumpre consignar que, em se tratando de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial (§ 7º). Nesse caso, como se trata de faculdade conferida ao julgador, a realização do exame por um só perito oficial não enseja a nulidade da prova pericial.

  Nem o juiz, nem os jurados ficam vinculados à prova pericial, podendo aceitá-la ou rejeitá-la em parte (CPP, art. 182; RTJ, 53/207; RJTJSP, 122/484). No entanto, o juiz só pode discordar do laudo fundamentadamente.

OUTRO EXEMPLO:

 Falta de nomeação de defensor ao réu presente, que não o tiver, ou ao ausente, e de curador ao réu menor de 21 anos (CPP, art. 261).

 Súmula 523 do STF: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.

  O juiz deverá analisar em cada caso concreto se o defensor atuou de forma eficiente ou não, somente decretando a nulidade se ficar evidenciado algum prejuízo para o acusado.

  Neste sentido, já decidiu o STJ: “Falta de defesa não é a mesma coisa que defesa deficiente. Demonstrando nos autos que o defensor nomeado apresentou defesa prévia (atualmente, substituída pela defesa inicial introduzida pelas Leis n. 11.689/2008 e 11.719/2008), reperguntou testemunhas e atuou em todas as fases processuais, não se pode acusá-lo de omisso...” (5ª T., rel. Min. Costa Lima, RSTJ, 8/144).

CURADOR PARA MAIOR DE 18 E MENOR DE 21 ANOS

  Para o menor de 21 anos não mais, pela simples razão de que ele não é mais menor. A plena capacidade se atinge a partir de zero hora do dia em que o menor completa 18 anos e, portanto, deixa de ser menor. A contar de 11 de janeiro de 2003, data do início da vigência do novo Estatuto Civil, ficam revogados todos os dispositivos do Código de Processo Penal que tratam da nomeação de curador para o maior de 18 e menor de 21 anos.

  Reforçando esse posicionamento, com a revogação expressa do art. 194 do CPP pela Lei n. 10.792/2003, não há mais que se falar em nulidade por falta de nomeação de curador ao réu menor de 21 anos.

NULIDADE TAMBÉM POR:

d) Falta de intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação penal pública ou subsidiária.

 VER OUTRAS ALÍNEAS DO ART. 564, “e” ATÉ “p”, do CPP
Falta ou nulidade de citação do réu para se ver processar.


  Falta de citação/defesa (nulidade absoluta) – Defeito Citação/réu mau defendido (Relativa)

  Citação é o chamamento do réu a juízo para responder a ação contra ele proposta.

  Intimação é o ato pelo qual se dá conhecimento a alguém dos atos já praticados no processo (intima-se alguém “de alguma coisa” que já foi realizada).

  Notificação é ato destinado a transmitir conhecimento de ordem do juiz para que se faça ou deixe de se fazer alguma coisa (notifica-se alguém “para fazer alguma coisa”).

 O Código de Processo Penal, no entanto, não faz qualquer distinção entre intimação e notificação.

  A citação por hora certa no processo penal era causa de nulidade  absoluta (RT, 685/337). Entretanto, essa espécie de citação passou a ser expressamente admitida pela Lei n. 11.719/2008, que alterou a redação do art. 362 do CPP.

Falta de interrogatório do acusado

  O princípio da ampla defesa (CF, art. 5º, LV) é satisfeito, no processo penal, por meio da defesa técnica e da autodefesa. Com relação à autodefesa, cumpre salientar que ela se apresenta sob dois aspectos: o direito de audiência e o direito de presença.

  O primeiro traduz-se na possibilidade de o acusado influir sobre a formação do convencimento do juiz mediante o interrogatório, apresentando a sua versão a respeito dos fatos.

  O segundo manifesta-se pela oportunidade de presenciar toda a prova produzida durante a instrução, evitando seja condenado sem conhecer as razões e as provas produzidas pela acusação.

  A Constituição de 1988, no inciso LXIII do art. 5º, assegura: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”.

“CPP, 564, IV — por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato.”

  Essencial é a formalidade sem a qual o ato não atingiria a sua finalidade.

 Há nulidade se o ato foi praticado sem preencher os requisitos essenciais para a sua validade.

 Por exemplo, a denúncia que não descreve o fato com todas as suas circunstâncias: o ato foi praticado, mas sem uma de suas formalidades essenciais. É uma decorrência do princípio da instrumentalidade das formas no processo  penal.

 Não se anula ato por violação da normalidade inócua, irrelevante.


Momento oportuno para a arguição das nulidades relativas


 Como se sabe, ao contrário das nulidades absolutas, as relativas consideram-se sanadas, se não alegadas no momento processual oportuno (princípio da convalidação).

 Nos termos do art. 571 e incisos, devem ser alegadas:

a) as da instrução criminal, na fase das alegações finais orais ou da apresentação de memoriais, conforme ocorra ou não a cisão da audiência de instrução e julgamento (CPP, art. 403, caput e § 3º, com a redação determinada pela Lei n. 11.719/2008);

b) no processo sumário, no prazo da defesa inicial (CPP, art. 396, com a redação determinada pela Lei n. 11.719/2008), as ocorridas após o oferecimento dessa defesa e antes da realização da audiência de instrução e
julgamento devem ser arguidas logo após a sua abertura, depois de feito o pregão das partes;

c) as posteriores à pronúncia, logo após a instalação da sessão, depois de feito o anúncio do julgamento e o pregão das partes;

d) as que ocorrerem durante o julgamento em plenário, logo em seguida à sua ocorrência;

e) após surgidas na sentença definitiva, devem ser alegadas, em preliminar, nas razões de recurso.

  Convém mencionar que no prazo de resposta à acusação (defesa inicial do art. 396 do CPP, com a redação determinada pela Lei n. 11.719/2008), poderá ser arguida, além das matérias que levem à absolvição sumária do acusado, a nulidade por incompetência relativa do juízo, pois a absoluta poderá sê-lo em qualquer tempo e grau de jurisdição.

  Consideram-se sanadas (art. 572, CPP):

a) se o ato, embora praticado de outra forma, tiver atingido o seu fim;

b) se a parte, ainda que tacitamente, tiver aceitado seus efeitos;

c) se não forem alegadas em tempo oportuno.

São relativas, de acordo com o art. 572 do CPP:

a) a falta de intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação penal;

b) a falta de prazos concedidos à acusação e à defesa;

c) a falta de intimação do réu para julgamento perante o Júri;

d) a falta de intimação das testemunhas para a sessão de julgamento;

e) a falta de formalidade que constitua elemento essencial do ato.

  As nulidades absolutas são insanáveis e não precisam ser alegadas. Por exclusão, são as previstas no art. 564, I, II e III, letras a, b, c, e (primeira parte), f, i, j, k, l, m, n, o e p.

Obs.: A jurisprudência mudou o quadro de nulidades, considerando absolutas algumas arroladas pela lei como relativas, e vice-versa. É muito arriscado, de antemão, estabelecer uma relação definitiva de nulidades absolutas e relativas, servindo esta, portanto, apenas de orientação.

  Da decisão que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte, cabe recurso em sentido estrito (CPP, art. 581, XIII).

JULGADOS SOBRE O TEMA

  NULIDADE. DEFESA COLIDENTE. RÉU DEFENDIDO PELO MESMO ADVOGADO QUE ATUOU NA DEFESA DE CORRÉU. CONFLITO DE INTERESSES: “Se um dos réus nega a sua participação no crime, enquanto o outro o incrimina nas declarações prestadas, não poderia ter sido a defesa de ambos promovida pelo mesmo advogado, que assumiu indevidamente o patrocínio comum. Evidenciado o prejuízo para o paciente, concede-se a ordem para anular o processo a partir do interrogatório, estendendo-se ao corréu, que também teve sua defesa prejudicada”

(STF, 1ª T., HC 69.716-0-RS, rel. Min. Ilmar Galvão, v. u., DJU, 18 dez. 1992, p. 24378).


 NULIDADE — INTERROGATÓRIO — REALIZAÇÃO NO MESMO DIA DA CITAÇÃO: 


 “Ao contrário do alegado pelo impetrante, o paciente foi condenado com base em todo o contexto probatório, sendo inviável infirmar tal ‘decisum’ em sede mandamental. De outro lado, a realização de interrogatório no mesmo dia da citação não implica, por si, sem a demonstração de prejuízo, em nulidade.  Precedentes. Ordem denegada” (STJ, 5ª T., HC 23.451/SP, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 25-3-2003, DJ, 2 jun. 2003, p. 310).


  MANUTENÇÃO DAS ALGEMAS DO ACUSADO DURANTE O INTERROGATÓRIO. AUSÊNCIA DE NULIDADE: “VI. Não há que se falar em constrangimento ilegal em decorrência da manutenção das algemas do paciente durante o seu interrogatório, pois, nos termos da Lei Processual Penal, ‘ao juiz incumbirá prover à regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos, podendo, para tal fim, requisitar força pública’. VII. Se o Magistrado reputou necessária a manutenção das algemas para melhor regularidade do ato, não há nulidade no interrogatório do réu” (STJ, 5ª T., HC 25.856/PR, rel. Min. Gilson Dipp, j. 17-6-2003, DJ, 25 ago. 2003, p. 336).


 VER SÚMULA VINCULANTE STF, Nº 11 - USO DE ALGEMAS.


SÚMULAS SOBRE O TEMA NO STF:


 155                        431

  156                       706

  160                       707

  162                       708

  206                       712

  351

  352

 366