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25 setembro 2012

Mensalão: julgamento do STF pode não valer




Artigo do professor LUIZ FLÁVIO GOMES*
Muitos brasileiros estão acompanhando e aguardando o final do julgamento do mensalão. Alguns com grande expectativa enquanto outros, como é o caso dos réus e advogados, com enorme ansiedade. Apesar da relevância ética, moral, cultural e política, essa decisão do STF – sem precedentes – vai ser revisada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, com eventual chance de prescrição de todos os crimes, em razão de, pelo menos, dois vícios procedimentais seríssimos que a poderão invalidar fulminantemente.
O julgamento do STF, ao ratificar com veemência vários valores republicanos de primeira linhagem – independência judicial, reprovação da corrupção, moralidade pública, desonestidade dos partidos políticos, retidão ética dos agentes públicos, financiamento ilícito de campanhas eleitorais etc. -, já conta com valor histórico suficiente para se dizer insuperável. Do ponto de vista procedimental e do respeito às regras do Estado de Direito, no entanto, o provincianismo e o autoritarismo do direito latino-americano, incluindo, especialmente, o do Brasil, apresentam-se como deploráveis.
No caso Las Palmeras a Corte Interamericana mandou processar novamente um determinado réu (na Colômbia) porque o juiz do processo era o mesmo que o tinha investigado anteriormente. Uma mesma pessoa não pode ocupar esses dois polos, ou seja, não pode ser investigador e julgador no mesmo processo. O Regimento Interno do STF, no entanto (art. 230), distanciando-se do padrão civilizatório já conquistado pela jurisprudência internacional, determina exatamente isso. Joaquim Barbosa, no caso mensalão, presidiu a fase investigativa e, agora, embora psicologicamente comprometido com aquela etapa, está participando do julgamento. Aqui reside o primeiro vício procedimental que poderá dar ensejo a um novo julgamento a ser determinado pela Corte Interamericana. 
Há, entretanto, um outro sério vício procedimental: é o que diz respeito ao chamado duplo grau de jurisdição, ou seja, todo réu condenado no âmbito criminal tem direito, por força da Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8, 2, h), de ser julgado em relação aos fatos e às provas duas vezes. O entendimento era de que, quem é julgado diretamente pela máxima Corte do País, em razão do foro privilegiado, não teria esse direito. O ex-ministro Márcio Thomaz Bastos levantou a controvérsia e pediu o desmembramento do processo logo no princípio da primeira sessão, tendo o STF refutado seu pedido por 9 votos a 2.
O Min. Celso de Mello, honrando-nos com a citação de um trecho do nosso livro, atualizado em meados de 2009, sublinhou que a jurisprudência da Corte Interamericana excepciona o direito ao duplo grau no caso de competência originária da corte máxima. Com base nesse entendimento, eu mesmo cheguei a afirmar que a chance de sucesso da defesa, neste ponto, junto ao sistema interamericano, era praticamente nula.
Hoje, depois da leitura de um artigo (de Ramon dos Santos) e de estudar atentamente o caso Barreto Leiva contra Venezuela, julgado bem no final de 2009 e publicado em 2010, minha convicção é totalmente oposta. Estou seguro de que o julgamento do mensalão, caso não seja anulado em razão do primeiro vício acima apontado (violação da garantia da imparcialidade), vai ser revisado para se conferir o duplo grau de jurisdição para todos os réus, incluindo-se os que gozam de foro especial por prerrogativa de função.
No Tribunal Europeu de Direitos Humanos é tranquilo o entendimento de que o julgamento pela Corte Máxima do país não conta com duplo grau de jurisdição. Mas ocorre que o Brasil, desde 1998, está sujeito à jurisprudência da Corte Interamericana, que sedimentou posicionamento contrário (no final de 2009). Não se fez, ademais, nenhuma reserva em relação a esse ponto. Logo, nosso País tem o dever de cumprir o que está estatuído no art. 8, 2, h, da Convenção Americana (Pacta sunt servanda).
A Corte Interamericana (no caso Barreto Leiva) declarou que a Venezuela violou o seu direito reconhecido no citado dispositivo internacional, “posto que a condenação proveio de um tribunal que conheceu o caso em única instância e o sentenciado não dispôs, em consequência [da conexão], da possibilidade de impugnar a sentença condenatória.”  A coincidência desse caso com a situação de 35 réus do mensalão é total, visto que todos eles perderam o duplo grau de jurisdição em razão da conexão.
Mas melhor que interpretar é reproduzir o que disse a Corte: “Cabe observar, por outro lado, que o senhor Barreto Leiva poderia ter impugnado a sentença condenatória emitida pelo julgador que tinha conhecido de sua causa se não houvesse operado a conexão que levou a acusação de várias pessoas no mesmo tribunal. Neste caso a aplicação da regra de conexão traz consigo a inadmissível consequência de privar o sentenciado do recurso a que alude o artigo 8.2.h da Convenção.”
A decisão da Corte foi mais longe: inclusive os réus com foro especial contam com o direito ao duplo grau; por isso é que mandou a Venezuela adequar seu direito interno à jurisprudência internacional: “Sem prejuízo do anterior e tendo em conta as violações declaradas na presente sentença, o Tribunal entende oportuno ordenar ao Estado que, dentro de um prazo razoável, proceda a adequação de seu ordenamento jurídico interno, de tal forma que garanta o direito a recorrer das sentenças condenatórias, conforme artigo 8.2.h da Convenção, a toda pessoa julgada por um ilícito penal, inclusive aquelas que gozem de foro especial.”
Há um outro argumento forte favorável à tese do duplo grau de jurisdição: o caso mensalão conta, no total, com 118 réus, sendo que 35 estão sendo julgados pelo STF e outros 80 respondem a processos em várias comarcas e juízos do país (O Globo de 15.09.12). Todos esses 80 réus contarão com o direito ao duplo grau de jurisdição, que foi negado pelo STF para outros réus. Situações idênticas tratadas de forma absolutamente desigual.
Indaga-se: o que a Corte garante aos réus condenados sem o devido respeito ao direito ao duplo grau de jurisdição, tal como no caso mensalão? A possibilidade de serem julgados novamente, em respeito à regra contida na Convenção Americana, fazendo-se as devidas adequações e acomodações no direito interno. Com isso se desfaz a coisa julgada e pode eventualmente ocorrer a prescrição.
Diante dos precedentes que acabam de ser citados parece muito evidente que os advogados poderão tentar, junto à Comissão Interamericana, a obtenção de uma inusitada medida cautelar para suspensão da execução imediata das penas privativas de liberdade, até que seja respeitado o direito ao duplo grau. Se isso inovadoramente viesse a ocorrer – não temos notícia de nenhum precedente nesse sentido -, eles aguardariam o duplo grau em liberdade. Conclusão: por vícios procedimentais decorrentes da baixíssima adequação da eventualmente autoritária jurisprudência brasileira à jurisprudência internacional, a mais histórica de todas as decisões criminais do STF pode ter seu brilho ético, moral, político e cultural nebulosamente ofuscado.
LUIZ FLÁVIO GOMES, 54, doutor em direito penal, fundou a rede de ensino LFG. Foi promotor de justiça (de 1980 a 1983), juiz (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001)




24 setembro 2012

Decisão TJMS - Réu que permaneceu preso durante a instrução sem direito de apelar em liberdade


Habeas Corpus - N. 2012.016077-4/0000-00 - Campo Grande.
Relator                    -   Exmo. Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia.
Impetrante               -   Ana Lúcia Duarte Pinasso.
Impetrante               -   Oscar José Loureiro.
Paciente                  -   Helena Fernandes Meira.
Impetrado               -   Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Campo Grande.
E M E N T A           – HABEAS CORPUS – SENTENÇA CONDENATÓRIA – TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO – PRETENSÃO DE RECORRER EM LIBERDADE – PACIENTE QUE PERMANECEU PRESA DURANTE TODA A INSTRUÇÃO CRIMINAL – NÃO DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS SUBJETIVOS – PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS – CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE – ORDEM DENEGADA.
Não há falar na existência de constrangimento ilegal diante da negativa do pedido para que a paciente aguarde em liberdade o julgamento de apelação interposta, quando esta permaneceu presa durante toda a instrução criminal e, ainda, não há comprovação nos autos dos requisitos subjetivos para o deferimento da benesse buscada.
A  C  Ó  R  D  à O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, com o parecer, denegar a ordem.

Campo Grande, 25 de junho de 2012.

Des. João Carlos Brandes Garcia – Relator



RELATÓRIO
O Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia
Trata-se de ordem de habeas corpuscom pedido liminar, impetrada pelos advogados Ana Lúcia Duarte Pinasso e Oscar José Loureiro, em favor de HELENA FERNANDES MEIRA, sob o argumento de estar a paciente sofrendo constrangimento ilegal por parte do Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Campo Grande-MS.
Sustentam os impetrantes, em síntese, que a paciente foi condenada pela prática do delito de tráfico de entorpecentes e associação, à pena de 10 (dez) anos e 11 (onze) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado - cujo processo se encontra em grau de recurso de apelação -, sendo que o magistrado manteve a sua prisão cautelar.
Afirmam, todavia, não existirem os requisitos necessários para a mantença de sua segregação, uma vez que a paciente encontra-se sob o manto da presunção de inocência – já que o seu processo encontra-se em grau de recurso - e, ainda, pelo fato de ter residência fixa, ocupação lícita, ser primária e, ainda, possuir filhos menores.
Assim, requerem seja concedido em caráter liminar o direito de a paciente responder ao processo em prisão domiciliar (mormente pelo fato de possuir filhos pequenos que necessitam de seus cuidados) e, ao final, que seja ratificada a ordem.
Liminar indeferida às f. 39.
As informações e documentos da autoridade apontada como coatora foram juntadas às f. 43-61.
A Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer acostado à f. 66-69, opina pela denegação da ordem.
VOTO
O Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia (Relator)
Trata-se de ordem de habeas corpuscom pedido liminar, impetrada pelos advogados Ana Lúcia Duarte Pinasso e Oscar José Loureiro, em favor de HELENA FERNANDES MEIRA, sob o argumento de estar a paciente sofrendo constrangimento ilegal por parte do Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Campo Grande-MS.
Sustentam os impetrantes, em síntese, que a paciente foi condenada pela prática do delito de tráfico de entorpecentes e associação, à pena de 10 (dez) anos e 11 (onze) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado - cujo processo se encontra em grau de recurso de apelação -, sendo que o magistrado manteve a sua prisão cautelar.
Afirmam, todavia, não existirem os requisitos necessários para a mantença de sua segregação, uma vez que a paciente encontra-se sob o manto da presunção de inocência – já que o seu processo encontra-se em grau de recurso - e, ainda, pelo fato de ter residência fixa, ocupação lícita, ser primária e, ainda, possuir filhos menores.
Assim, requerem que seja concedido à paciente o direito de responder ao processo em prisão domiciliar (mormente pelo fato de possuir filhos pequenos que necessitam de seus cuidados).
Entendo, desde já, que a ordem deve ser denegada.
Isso porque, ao contrário do alegado pelos impetrantes, a decisão que manteve a segregação cautelar da paciente não configura constrangimento ilegal, mormente pelo fato de a paciente ter respondido segregada ao processo, durante toda a instrução criminal.
Não é outro o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto ao réu que permanece preso para apelar se assim esteve durante todo curso da ação penal:

HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CONCURSO DE AGENTES. 1. PRISÃO EM FLAGRANTE. RÉU PRESO CAUTELARMENTE DURANTE TODA A INSTRUÇÃO CRIMINAL. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. IMPOSSIBILIDADE. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 2. ORDEM DENEGADA.
1. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não se concede o direito de recorrer em liberdade a réu que permaneceu preso durante toda a instrução do processo, pois a manutenção na prisão constitui um dos efeitos da respectiva condenação.
2. Na espécie, o réu, preso em flagrante, permaneceu custodiado durante toda a instrução criminal, não caracterizando constrangimento ilegal a preservação da sua custódia pela sentença condenatória, mormente porque permanecem hígidos os motivos insertos no artigo 312 do Código de Processo Penal.
3. As condições pessoais favoráveis não são requisitos bastantes para a concessão de liberdade provisória, e, ademais, no caso dos autos, o paciente não logrou demonstrar ocupação licita e possuir residência no distrito da culpa.
4. Habeas corpus denegado (HC 207.906/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 13/12/2011, DJe 07/02/2012).

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO E TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. NULIDADE DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE AUTORIA. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO TRIBUNAL DO JÚRI. ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE HOMICÍDIO. PERDA DO OBJETO. MANUTENÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR. SENTENÇA CONDENATÓRIA FUNDAMENTADA. PACIENTE QUE PERMANECEU PRESO DURANTE O PROCESSO.
VEDAÇÃO EXPRESSA CONTIDA NA LEI N.º 11.343/2006. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO.
1. Em razão do julgamento do Tribunal do Júri, quanto à nulidade da denúncia, o motivo da impetração cessou, esvaindo-se seu objeto.
2. Consoante entendimento desta Corte, proferida a sentença condenatória, a manutenção da prisão é de rigor para o réu que permaneceu preso durante toda a instrução criminal de forma absolutamente legal. Tal procedimento não ofende a garantia constitucional da presunção da inocência e nada mais é do que efeito de sua condenação.
3. Ordem denegada (HC 121.704/RJ, Rel. Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), QUINTA TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe 03/02/2012).

Outrossim, apesar de os impetrantes aduzirem que a paciente possui os requisitos subjetivos necessários para a obtenção da liberdade provisória, não lograram comprová-los, razão pela qual a manutenção da paciente no cárcere faz-se necessária sobretudo para a garantia da aplicação da lei penal.
Nesse sentido:

EMENTA - HABEAS CORPUS – FURTO E PORTE DE ARMA – PREENCHIMENTO DAS CONDIÇÕES PESSOAIS – NÃO COMPROVAÇÃO – PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA – PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS DA PRISÃO CAUTELAR – ORDEM DENEGADA.
habeas corpus é um instrumento simples e não possui fase própria de instrução, razão pela qual os documentos necessários para análise das questões postas devem ser acostados junto à petição inicial. Assim, não havendo nos autos a comprovação dos requisitos subjetivos necessários para a concessão da liberdade provisória, não há como concedê-la.
Havendo prova da materialidade e indícios suficientes de autoria da conduta delituosa, não há falar em constrangimento ilegal, pois presentes os motivos ensejadores para a prisão cautelar.(Habeas Corpus - N. 2010.012745-5/0000-00 - São Gabriel do Oeste, Rel. Desª. Marilza Lúcia Fortes, 1ª Turma Criminal, j. 18/05/2010).

Por fim, quanto ao fato de a paciente possuir filhos menores, não é esta condição sine qua non para que possa aguardar em liberdade o julgamento do recurso de apelação interposto, ou mesmo, aguardar em prisão domiciliar quando, como in casu, estão presentes os requisitos da prisão cautelar.
Destarte, não há nenhuma ilegalidade a ser sanada por esta via, razão pela qual, com o parecer, denego a ordem.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE, COM O PARECER, DENEGARAM A ORDEM.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Dorival Moreira dos Santos.
Relator, o Exmo. Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores João Carlos Brandes Garcia, Dorival Moreira dos Santos e Francisco Gerardo de Sousa.

Campo Grande, 25 de junho de 2012

Condenado por tráfico pode iniciar pena em regime semiaberto, decide STF


Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, durante sessão extraordinária realizada na manhã desta quarta-feira (27), o Habeas Corpus (HC) 111840 e declarou incidentalmente* a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, com redação dada pela Lei 11.464/07, o qual prevê que a pena por crime de tráfico será cumprida, inicialmente, em regime fechado.
No HC, a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo pedia a concessão do habeas para que um condenado por tráfico de drogas pudesse iniciar o cumprimento da pena de seis anos em regime semiaberto, alegando, para tanto, a inconstitucionalidade da norma que determina que os condenados por tráfico devem cumprir a pena em regime inicialmente fechado.
O julgamento teve início em 14 de junho de 2012 e, naquela ocasião, cinco ministros se pronunciaram pela inconstitucionalidade do dispositivo: Dias Toffoli (relator), Rosa Weber, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso. Em sentido contrário, se pronunciaram os ministros Luiz Fux, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, que votaram pelo indeferimento da ordem.
Na sessão de hoje (27), em que foi concluído o julgamento, os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ayres Britto acompanharam o voto do relator, ministro Dias Toffoli, pela concessão do HC e para declarar a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90. De acordo com o entendimento do relator, o dispositivo contraria a Constituição Federal, especificamente no ponto que trata do princípio da individualização da pena (artigo 5º, inciso XLVI).
* O controle incidental de constitucionalidade se dá em qualquer instância judicial, por juiz ou tribunal, em casos concretos, comuns e rotineiros. Também chamada de controle por via difusa, por via de defesa, ou por via de exceção. Ocorre quando uma das partes questiona à Justiça sobre a constitucionalidade de uma norma, prejudicando a própria análise do mérito, quando aceita tal tese. Os efeitos (de não subordinação à lei ou norma pela sua inconstitucionalidade) são restritos ao processo e às partes, e em regra, retroagem desde a origem do ato subordinado à inconstitucionalidade da lei/norma assim declarada.

21 setembro 2012

Lei Maria da Penha: audiência para renúncia de representação não pode ser determinada de ofício

A vítima de violência doméstica não pode ser constrangida a ratificar perante o juízo, na presença de seu agressor, a representação para que tenha seguimento a ação penal. Com esse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu mandado de segurança ao Ministério Público do Mato Grosso do Sul (MPMS) para que a audiência prevista no artigo 16 da Lei Maria da Penha só ocorra quando a vítima manifeste, antecipada, espontânea e livremente, o interesse de se retratar. A decisão é unânime.

A Lei 11.340/06, conhecida por Maria da Penha, criou mecanismos de proteção contra a violência doméstica e familiar sofrida pelas mulheres. Entre as medidas, está a previsão de que a ação penal por lesão corporal leve é pública – isto é, deve ser tocada pelo MP –, mas condicionada à representação da vítima. O STJ já pacificou o entendimento de que essa representação não exige qualquer formalidade, bastando a manifestação perante autoridade policial para configurá-la.

Porém, o artigo 16 da lei dispõe: “Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.” Para o Tribunal de Justiça sul-matogrossense, a designação dessa audiência seria ato judicial de mero impulso processual, não configurando ilegalidade ou arbitrariedade caso realizada espontaneamente pelo juiz.

Ratificação constrangedora
Mas o desembargador convocado Adilson Macabu divergiu do tribunal local. Para o relator, a audiência prevista no dispositivo não deve ser realizada de ofício, como condição da abertura da ação penal, sob pena de constrangimento ilegal à mulher vítima de violência doméstica e familiar. Isso “configuraria ato de 'ratificação' da representação, inadmissível na espécie”, asseverou.

“Como se observa da simples leitura do dispositivo legal, a audiência a que refere o artigo somente se realizará caso a ofendida expresse previamente sua vontade de se retratar da representação ofertada em desfavor do agressor”, acrescentou o relator. “Assim, não há falar em obrigatoriedade da realização de tal audiência, por iniciativa do juízo, sob o argumento de tornar certa a manifestação de vontade da vítima, inclusive no sentido de ‘não se retratar’ da representação já realizada”, completou.

Em seu voto, o desembargador indicou precedentes tanto da Quinta quanto da Sexta Turma nesse mesmo sentido. 


Fonte: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=103181

LEI MARIA DA PENHA E SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

O Colendo STF decidiu que nos crimes rotulados como de “violência doméstica” pela Lei Maria da Penha, a ação penal é pública incondicionada. Ou seja, independe da vontade da vítima.
Considerou-se a necessidade de tutela especial do Estado aos delitos praticados naquelas circunstâncias, que deve preponderar sobre o desejo da vítima. Veja maiores informações aqui.
De qualquer sorte, com a devida vênia dos opositores, a despeito de reconhecer minoritária, penso ser cabível a suspensão condicional do processo naqueles delitos, óbvio, desde que preenchidos os requisitos do art. 89 e seguintes da Lei 9.099/95.
É que a vedação do art. 41 da Lei 11.340/2006 não abrange expressamente a hipótese da suspensão condicional do processo.
“Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995
A suspensão condicional do processo não está atrelada aos Juizados Especiais Criminais e aos crimes de menor potencial ofensivo pela simples razão de tal benefício estar estipulado no art. 89 da Lei nº 9.099/95.
Numa interpretação racional e teleológica, percebe-se que são institutos jurídicos absolutamente diversos.
A Lei nº 9.099/95 disciplinou a questão dos crimes de menor potencial ofensivo e as normas de competência e procedimento para o seu processamento e julgamento (JECrim). Mas, inseriu, em tal contexto normativo, o art. 89 que institui o benefício da suspensão condicional do processo aos crimes cuja pena mínima cominada seja inferior ou igual a 01 (um) ano.
Não obstante, aquele benefício não se restringe aos delitos de menor potencial ofensivo, é aplicável a todos os delitos abrangidos ou não pela Lei 9.099/95.
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). Grifei.
Assim, o art. 89 da Lei nº 9.099/95, evidencia tratar-se de uma regra geral, que incide sobre todos os tipos de delitos e procedimentos e ritos criminais.
A rigor, poderia (e quiçá deveria) ser veiculada em um diploma de caráter geral (Código Penal ou de Processo Penal, por ex.), pois cuida-se de instituto jurídico distinto do conceito de crime de menor potencial ofensivo ou do Juizado Especial Criminal. Leia-se, embora apresentado juridicamente pela Lei 9.099/95, a suspensão condicional do processo não guarda qualquer ligação com esta lei.
 Assim entendida a questão, a suspensão condicional do processo não teve sua aplicação expressamente proibida pelo art. 41 da Lei nº 11.340/06.
A finalidade do mencionado artigo foi afastar única e exclusivamente a conclusão de que os crimes de violência doméstica e familiar contra mulheres seriam de menor potencial ofensivo, incidindo as regras transacionais e o procedimento no JECRIM. Não vedou a suspensão condicional do processo, instituto jurídico diverso – que não tem a natureza transacional – e aplicado de maneira geral, observados seus requisitos legais, a todos os tipos de crimes em todos os processos-crime, inclusive sob pena de afronta ao princípio constitucional da igualdade e isonomia.
Tal interpretação, além de encontrar abono nas regras hermenêuticas, alcança a finalidade de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher – prevista na Lei 11.340/2006- e também equaciona a questão da preservação da família e do estado de dignidade do acusado.
Acima de tudo, o escopo da suspensão condicional do processo é evitar a estigmatização derivada do próprio processo. Como conseqüência, acaba evitando também a estigmatização que traz a sentença condenatória. O processo em si já é penoso para o acusado. Participar dos seus rituais (a citação em sua casa, o interrogatório, oitiva de testemunhas etc.) configura um gravame incomensurável. A suspensão condicional, dentre outras, tem a virtude de evitar as denominadas ‘cerimônias degradantes’ (GRINOVER, Ada Pellegrini [ET all], 5ª Ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 263)
É que o acusado terá seu processo suspenso sob prova, por dois a quatro anos, devendo cumprir condições legais e judiciais previamente estabelecidas. Ficará, durante esse tempo, submetido à constante patrulhamento estatal e da própria vítima, tendo a oportunidade de demonstrar senso de responsabilidade e provar, à vítima, que é pessoa de bem. Qualquer desvio de conduta ensejará a revogação do benefício e retomada do curso processual.
Destarte, bem atende aos anseios da vítima e da família, que poderá avaliar o denunciado e evitará o constrangimento de ter que comparecer ao fórum e talvez até depor contra seu marido ou companheiro, não raro genitor dos seus filhos.
De outro giro, o denunciado terá a oportunidade de demonstrar senso de responsabilidade, ao Estado e à família, bem como não sofrerá qualquer anotação criminal em sua folha de antecedentes, o que apenas prejudica o seu futuro e até da sua família, pois poderia ser impedido de conseguir trabalho remunerado.
A prática forense demonstra que, habitualmente, processos dessa natureza, sem a aplicação do instituto da suspensão condicional do processo, é que culminam em impunidades. Os fatos normalmente ocorrem no recôndito do lar, sem testemunhas presenciais, alicerçados apenas nas declarações da vítima. Esta, encontrando-se no paradoxo acima (processar e ver condenado seu marido e pai dos filhos), em juízo, traz versões antagônicas inocentando o réu.
A aplicação de tal instituto, como medida de política criminal, apenas viria a fortalecer a tutela das mulheres em situação de violência doméstica e familiar, portanto.
Traz-se à baila, de forma genérica, o mandamento do art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil: “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. E, em especial, o art. 4º, da própria Lei 11.340/2006 que orienta a sua interpretação: “na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar”.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. CRIME DE LESÃO CORPORAL COMETIDA NO ÂMBITO FAMILIAR CONTRA MULHER. LEI  MARIA DA PENHA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ARTIGO 41 DA LEI Nº 11.340/06. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1.  Na interpretação literal do artigo 41 da Lei Maria da Penha (11.340/06), o artigo 89 da Lei nº 9.099/95, não se aplica aos delitos de violência doméstica contra a mulher, cometidos no âmbito familiar.
2. Sopesados, porém, o conteúdo da Lei em questão e o disposto no artigo 226, parágrafo 8º, da Carta Magna, e contrariando o entendimento adotado por esta E. Sexta Turma, conclui-se que, no caso em exame, a melhor solução será a concessão da ordem, porque o paciente e a ofendida continuam a viver sob o mesmo teto.
3. Ordem concedida, para cassar o v. acórdão hostilizado e a r.
sentença condenatória, determinando-se a realização de audiência, para que o paciente se manifeste sobre a proposta de suspensão condicional do processo oferecida pelo Ministério Público Estadual.
(HC 154.801/MS, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 03/11/2011)
Habeas Corpus. Crime de Violência Doméstica. Possibilidade de aplicação da suspensão condicional do processo (art. 89, da Lei nº 9099/95). Paciente denunciado pelo crime previsto no artigo 129, §9º, do Código Penal.O art. 41 da Lei nº 11.340/06, que proíbe a aplicação da Lei nº 9099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, não ofende o princípio constitucional da isonomia, tratando-se de opção legítima do legislador em proteger a mulher, parte que entendeu estar mais vulnerável nas relações domésticas.Entretanto, nessa proibição não está incluída a possibilidade de suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei nº 9099/95, dispositivo de aplicação geral e que alcança todo o sistema normativo penal. Como é sabido, foi inserido no texto da Lei nº 9099/95 por mera conveniência legislativa, já que era tratado em projeto diverso. No mesmo sentido, o Enunciado nº 84 do III Encontro de Juízes de Juizados Especiais e Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro (III EJJETR), dispõe que É cabível, em tese, a suspensão condicional do processo para o crime previsto no art. 129, parágrafo 9º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.340/06. Ademais, o art. 4º estabelece que na interpretação da Lei serão considerados os fins sociais a que ela se destina, sendo certo que muitas das vezes a suspensão condicional do processo é a medida mais adequada, pois mantém o réu sob a vigilância do juízo por pelo menos dois anos, sem prejuízo de eventuais condições específicas que o magistrado impuser de acordo com as circunstâncias do caso. Ordem concedida para determinar que o Ministério Público seja intimado a se manifestar sobre a aplicação da suspensão condicional do processo. (TJRJ – HC nº2007.059.04592 – Primeira Câmara Criminal – Rel. Des. Mario Henrique Mazza, j.04.09/2007). 

20 setembro 2012

Apelação criminal. Ameaça. Violência doméstica.

Se o conjunto probatório deixou evidente que o agente ameaçou de morte sua ex-convivente, não há falar em absolvição do crime de ameaça.

 Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul - TJMS

Primeira Turma Criminal

Apelação Criminal - Detenção e Multa - N. 2010.016186-6/0000-00 - Campo Grande.

Relatora - Exmª Srª Desª Marilza Lúcia Fortes.

Apelante - Ministério Público Estadual.

Prom. Just - Ana Lara Camargo de Castro .

Apelante - Defensoria Pública de Defesa da Mulher.

Def.Pub.1ª Inst - Maria Gisele Scavone de Mello.

Apelante - Claudir Pereira Prado.

Advogado - Teodomiro Morais de Almeida.

Apelado - Claudir Pereira Prado.

Advogado - Teodomiro Morais de Almeida.

Apelado - Ministério Público Estadual.

Prom. Just - Ana Lara Camargo de Castro .

Apelada - Defensoria Pública de Defesa da Mulher.

Def.Pub.1ª Inst - Maria Gisele Scavone de Mello.

EMENTA – APELAÇÃO CRIMINAL – AMEAÇA – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO – ALEGADA AUSÊNCIA DE PROVAS – PROVAS DA AUTORIA E MATERIALIDADE – IMPROVIDO.

Se o conjunto probatório deixou evidente que o agente ameaçou de morte sua ex-convivente, não há falar em absolvição do crime de ameaça.

APELAÇÃO CRIMINAL – AMEAÇA - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – SUBSTITUIÇÃO DA PENA POR RESTRITIVAS DE DIREITOS – RECURSO MINISTERIAL - VEDAÇÃO LEGAL – ART. 44, I, CP – CONCESSÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA – PROVIDO.

O art. 44, I, do CP não permite a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos para os crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, devendo, caso preenchidos os requisitos legais, ser concedida a suspensão condicional da pena ao agente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Primeira Turma Criminal do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade e com o parecer, dar provimento ao recurso ministerial e negar provimento ao apelo defensivo.

Campo Grande, 3 de agosto de 2010.

Desª Marilza Lúcia Fortes – Relatora

RELATÓRIO

A Srª Desª Marilza Lúcia Fortes

Claudir Pereira Prado foi condenado à pena de 01 mês de detenção, no regime aberto, substituída por restritivas de direitos, por infração ao art. 147 do Código Penal (f. 93-96).

O Ministério Público recorre, aduzindo que a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos não é aplicável aos delitos praticados com violência ou grave ameaça à pessoa, pedindo a concessão da suspensão condicional da pena (sursis) ao apelado, prequestionando a matéria (f. 102-107).

A vítima, através da Defensoria Pública Estadual, ratificou o recurso ministerial (f. 114-117).

A defesa apresentou as contrarrazões aos recursos, pedindo a manutenção da substituição da pena por restritivas de direitos (f. 155-166 e 169-178).

Em suas razões recursais, Claudir pede a absolvição, ante a fragilidade ou inexistência de provas da prática do crime (f. 128-137).

O órgão ministerial e a vítima, em contrarrazões, pugnaram pelo improvimento do recurso defensivo (f. 141-143 e 146-150).

No parecer, a Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso ministerial e improvimento do recurso defensivo (f. 188-193).

VOTO (EM 27.7.2010)

A Srª Desª Marilza Lúcia Fortes (Relatora)

Narra-se na denúncia que no dia 11/06/08, por volta das 12:00 horas, na Rua Jandiatuba, 01, Vila Margarida, nesta capital, o denunciado ameaçou a vítima Laura Alice Almeida, sua ex-convivente, dizendo-lhe “eu vou te matar”.

O apelante pede a absolvição, ante a fragilidade ou inexistência de provas da prática do crime.

Compulsando os autos constata-se que a vítima Laura e o apelante conviveram por aproximadamente 04 anos e recentemente haviam rompido o relacionamento, tendo o apelante concordado que ela continuasse residindo no imóvel de sua propriedade, uma vez que possuíam uma filha em comum.

No dia dos fatos, o apelante foi até a casa da vítima, embriagado e agressivo e, após discutirem porque queria que ela desocupasse a casa, ameaçou-a de morte.

Ao ser ouvido em juízo, o apelante declarou que “nega os fatos da denúncia; que iniciou uma discussão verbal com a vítima em razão da filha do casal que se encontrava com uma queimadura no peito; que a filha do casal relatou que o queimado foi causado pelo ferro de passar roupa dado pela mãe;... em momento algum ameaçou a vítima, pois isso não é do seu feitio (...).” (f. 75).

Em juízo, a vítima Laura e a testemunha Wilson Aparecido Dias confirmaram os fatos narrados na denúncia:

“Que deseja processar o acusado; que são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; que os fatos se deram na residência da vítima; que o acusado começou a discutir com a vítima por motivo de filhos e proferiu as palavras constantes na denúncia (...).” (vítima Laura – f. 70)

“Que não presenciou os fatos; que ficou sabendo dos fatos por relatos da própria vítima, a qual disse para o depoente que o acusado a vivia ameaçando, pois esta residia no imóvel dele; que o depoente esteve com o acusado por uma vez quando foi procurar a depoente para na residência constante na denúncia a fim de cobrar uma dívida; que nesta ocasião o acusado mostrou-se bastante agressivo; que o acusado falou para o depoente que iria mandar embora a vítima daquela casa, xingando-a; que quando a vítima relatou os fatos relativos à denúncia ao depoente, parecia estar assustada (...).” (Wilson – f. 72)

Desta forma, restando demonstrado pelo conjunto probatório que o apelante ameaçou de morte sua ex-companheira, não há falar em absolvição.

Nesse sentido:

“AMEAÇA – IN DUBIO PRO REO. Se os depoimentos das testemunhas são harmônicos e conduzem a conclusão de que a acusada foi, de fato, a autora das ameaças sofridas pela vítima, não há razão para a aplicação do in dubio pro reo. Sentença mantida. (TJDF, AC 20030110719960APJ- Rel. Maria de Fátima Rafael de Aguiar Ramos – DJ 24.10.2005, p. 127)

“APELAÇÃO CRIMINAL – AMEAÇA NO ÂMBITO FAMILIAR E DESOBEDIÊNCIA – ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PROVAS A LASTREAR O ÉDITO CONDENATÓRIO – INOCORRÊNCIA – PROVAS INEQUÍVOCAS DA PRÁTICA DO CRIMES PERPETRADOS – RECURSO IMPROVIDO. Não há falar em ausência de provas do crime de ameaça, ou desobediência, quando o depoimento da vítima é corroborado com as demais provas testemunhais que confirmam que o agente, desrespeitando a determinação judicial que determinou que o apelante mantivesse a distância de 200 metros da vítima, adentrou em sua casa e ameaçou de atear fogo.” (TJMS, Primeira Turma Criminal, Apelação Criminal - Detenção e Multa - N. 2009.015258-8/0000-00 – Camapuã. Relatora. Desª Marilza Lúcia Fortes. Julgado em 7.7.2009)

RECURSO MINISTERIAL

O Parquet alega que a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos não é aplicável ao caso em tela, já que o apelante foi condenado por crime praticado com grave ameaça (ameaça).

Sobre a substituição da pena corporal pela restritiva de direito, o aludido art. 44 do Código Penal prescreve que:

“Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:

I – aplicada a pena privativa de liberdade não superior a 04 (quatro) anos E O CRIME NÃO FOR COMETIDO COM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA À PESSOA...”.

Como se verifica, o dispositivo supra transcrito não permite a substituição da pena para os crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, como ocorreu no caso em tela.

Sobre esse assunto, o STF, em recente decisão no HC 97.333/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, julgado em 24/03/2009, DJe 20/04/2009, decidiu que “... A teor do art. 44, inciso I, do Código Penal, é vedada a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando se tratar de condenação superior a quatro anos de reclusão, ou por crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa...”.

Nesse sentido:

“HABEAS CORPUS – DIREITO PENAL – LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE – SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS – NÃO CABIMENTO. 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça firmou já entendimento no sentido de não ser possível, nos casos de lesão corporal grave, a substituição da pena prisional por restritiva de direitos, ex vi do disposto no inciso I do art. 44 do Código Penal. Precedente. 2. Writ denegado.” (STJ – HC 200302228170 – (32240 RS) – 6ª T. - Rel. Min. Hamilton Carvalhido – DJU 13.12.2004 – p. 00460)

“(...) 3) Embora a pena aplicada seja inferior a dois anos, por força do disposto no art. 44, I, do CP (crime foi praticado mediante violência contra a pessoa), fica vedada a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Com efeito, há que se conceder a suspensão da aplicação da pena (sursis), diante da presença dos requisitos alinhavados pelo art. 77, do mesmo diploma legal. 4) Apelo parcialmente provido. (TJAP – AC 156502 – C.Ún. - Rel. Juiz Conv. Luciano Assis – DJAP 14.04.2004 – p. 16)

Dessa forma, afasto a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e, preenchidos os requisitos previstos no art. 77, do CP, concedo ao apelado a suspensão condicional da pena pelo prazo de 02 (dois) anos, devendo no 1º ano prestar serviços à comunidade, nos termos do art. 78, 1º, CP, sendo que as demais condições serão estabelecidas pelo Juízo da Execução Penal.

Diante do exposto, com o parecer, nego provimento ao recurso defensivo e dou provimento ao recurso ministerial.

O Sr. Des. Dorival Moreira dos Santos (1º Vogal)

De acordo com a relatora.

CONCLUSÃO DE JULGAMENTO ADIADA EM FACE DO PEDIDO DE VISTA DO 2º VOGAL (DES. JOÃO CARLOS BRANDES GARCIA), APÓS A RELATORA E O 1º VOGAL NEGAREM PROVIMENTO AO RECURSO DEFENSIVO E DAREM PROVIMENTO AO APELO MINISTERIAL.

V O T O (EM 3.8.2010)

O Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia (2º Vogal)

Pedi vista dos autos para melhor analisar e matéria e entendo que a razão está, de fato, com a Relatora, que após analisar detidamente o conjunto probatório carreado ao processo, convenceu-se pela manutenção da condenação do réu.

Quanto ao provimento do apelo ministerial, esta questão já foi submetida a julgamento por meio da Apelação Criminal de nº N. 2010.012925-3/0000-00, cujo acórdão restou por mim ementado nos seguintes termos:

“EMENTA – APELAÇÃO CRIMINAL – RECURSO MINISTERIAL – LEI MARIA DA PENHA – DESCONSTITUIÇÃO DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS – VEDAÇÃO EXPRESSA NO ART. 44, I DO CP E ART. 41 DA LEI 11.343/06 – SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA – ART. 77 DO CP – CONCESSÃO – RECURSOS PROVIDOS.

É incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando o crime é praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, por expressa disposição do art. 44, I do Código Penal, bem como do art. 41 da Lei 11.343/06, que veda a incidência da Lei 9.099/95, nos crimes cometidos no âmbito doméstico e familiar contra a mulher.

O sentenciado que preenche os requisitos do artigo 77, I a III, do Código Penal, sendo primário, com circunstâncias judiciais favoráveis e condenação inferior a 02 (dois) anos, faz jus à suspensão condicional da pena.”

 Por tais motivos, acompanho a relatora para o fim de negar provimento ao apelo defensivo e dar provimento ao apelo ministerial.

DECISÃO

Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:

POR UNANIMIDADE E COM O PARECER, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO MINISTERIAL E NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DEFENSIVO.

Presidência do Exmo. Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia.

Relatora, a Exmª Srª Desª Marilza Lúcia Fortes.

Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Marilza Lúcia Fortes, Dorival Moreira dos Santos e João Carlos Brandes Garcia.

Campo Grande, 3 de agosto de 2010.