Conforme Capez [1]"o fundamento de tal inovação
reside no direito à informação. Derivado dos princípios constitucionais
da ampla defesa e do contraditório, tal direito encontra-se previsto na
Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), conhecida como Pacto de
San José da Costa Rica (...), que em seu art. 8º, 2, b, assegura a todo
acusado o direito à comunicação prévia e pormenorizada da acusação
formulada. Assim, não mais se admite o prosseguimento do feito sem que o
réu seja informado efetivamente, sem sombra de dúvida, da sua
existência".
A referida alteração, apesar de salutar, ensejou uma
discussão sobre o tempo de suspensão do prazo prescricional. Como o art.
366 apenas dispõe que a prescrição deve ficar suspensa durante a
suspensão do processo, sem indicar por quanto tempo, doutrina e
jurisprudência debruçaram-se sobre a questão, na busca de uma solução
hermenêutica para a omissão legislativa.
O entendimento adotado quase de forma unânime por
doutrina e jurisprudência foi o de que o prazo prescricional deve ficar
suspenso pelo prazo da prescrição da pretensão punitiva (prescrição em
abstrato), levando em conta o máximo da pena e considerando-se as
balizas do art. 109 do CP. Assim, se o delito prescreve, abstratamente,
em 8 anos, é por esse tempo que a contagem da prescrição deve ficar
suspensa, após o que volta a correr pelo saldo restante. Esse
entendimento, além de evitar, na prática, a imprescritibilidade dos
delitos, afigura-se proporcional, na medida em que o prazo de prescrição
ficará suspenso por mais ou menos tempo, de acordo com a maior ou menor
gravidade do delito. Um mesmo prazo de suspensão da prescrição para
todos os delitos violaria, flagrantemente, o princípio da
proporcionalidade.
O Superior Tribunal de Justiça, adotando o
entendimento da maioria, editou na sessão do dia 16.12.09 a Súmula 415,
com o seguinte enunciado: "O período de suspensão do prazo prescricional
é regulado pelo máximo da pena cominada".
É preciso ressaltar que a Súmula 415 está a dizer que
a contagem da prescrição fica suspensa pelo prazo da prescrição em
abstrato – consideradas as balizas do art. 109 do CP – e não pelo prazo
da pena máxima cominada ao delito, conforme pode sugerir uma leitura
desavisada do enunciado.
Assim, se o delito tem pena máxima cominada de 4
anos, a prescrição em abstrato se dá em 8 anos (art. 109, IV do CP) e a
contagem da prescrição, portanto, ficará suspensa por esses 8 anos e não
por 4 anos, que é o prazo da pena máxima cominada ao crime. Essa é a
correta interpretação da Súmula 415, conforme se verifica pelos
precedentes que a originaram. A propósito:
"Consoante orientação pacificada nesta Corte, o prazo
máximo de suspensão do prazo prescricional, na hipótese do art. 366 do
CPP, não pode ultrapassar aquele previsto no art. 109 do Código Penal,
considerada a pena máxima cominada ao delito denunciado, sob pena de
ter-se como permanente o sobrestamento, tornando imprescritível a
infração penal apurada". (STJ, HC 84.982/SP, rel. Min. Jorge Mussi, j.
21.02.2008)
Apesar desse entendimento quase unânime da doutrina e
da jurisprudência sobre o período de suspensão da contagem
prescricional, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Extradição
n. 1042 (Pleno, j. 19.12.06), adotou entendimento diverso, no sentido de
que a contagem da prescrição pode ficar suspensa por tempo
indeterminado, é dizer, fica suspensa enquanto o processo também ficar. E
no julgamento do RE 460.971/RS, a 1ª Turma da Suprema Corte, reiterando
o entendimento do Plenário, assentou que:
"Citação por edital e revelia: suspensão do processo e
do curso do prazo prescricional, por tempo indeterminado - C.Pr.Penal,
art. 366, com a redação da L. 9.271/96. 1. Conforme assentou o Supremo
Tribunal Federal, no julgamento da Ext. 1042, 19.12.06, Pertence, a
Constituição Federal não proíbe a suspensão da prescrição, por prazo
indeterminado, na hipótese do art. 366 do C.Pr.Penal. 2. A
indeterminação do prazo da suspensão não constitui, a rigor, hipótese de
imprescritibilidade: não impede a retomada do curso da prescrição,
apenas a condiciona a um evento futuro e incerto, situação
substancialmente diversa da imprescritibilidade. 3. Ademais, a
Constituição Federal se limita, no art. 5º, XLII e XLIV, a excluir os
crimes que enumera da incidência material das regras da prescrição, sem
proibir, em tese, que a legislação ordinária criasse outras hipóteses.
4. Não cabe, nem mesmo sujeitar o período de suspensão de que trata o
art. 366 do C.Pr.Penal ao tempo da prescrição em abstrato, pois, "do
contrário, o que se teria, nessa hipótese, seria uma causa de
interrupção, e não de suspensão." 5. RE provido, para excluir o limite
temporal imposto à suspensão do curso da prescrição". (RE 460.971/RS,
rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, j. 13.02.2007, v.u.)
Acertado nos parece o entendimento cristalizado agora
na Súmula 415 do Superior Tribunal de Justiça. Equivocado, por
conseqüência, o pensamento do Supremo (s.m.j.). Não se sustentam, com a
devida vênia, os argumentos lançados no acórdão acima[2], de que a
"Constituição Federal não proíbe a suspensão da prescrição por prazo
indeterminado" e de que a Constituição não proíbe o legislador ordinário
de estabelecer outras hipóteses de crimes imprescritíveis além dos já
previstos em seu Texto (art. 5º, XLII e XLIV).
A suspensão da prescrição (ou qualquer espécie de
suspensão no Direito, v.g., a suspensão política de direitos) é sempre
condicionada a evento futuro e certo, portanto, sempre se dá dentro de
prazo limitado no tempo. A suspensão da prescrição no CP, por exemplo,
só subsiste enquanto não é resolvida questão prejudicial em outro
processo, ou enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro, ou ainda
enquanto o condenado está preso por outro motivo (art. 116, I e II e
parágrafo único do CP). Da mesma forma, a suspensão de direitos
políticos por condenação transitada em julgado só subsiste "enquanto
durarem seus efeitos" (art. 15, III, da CF).
Como se vê, a suspensão tem sempre termo final
definido (ainda que não exato), condicionado ao implemento de uma
condição certa. E foi exatamente o que fez a Súmula 415 do STJ. Como o
art. 366 do CPP dispõe sobre a "suspensão" da contagem do prazo
prescricional, mas não prevê seu termo ad quem, o Superior Tribunal de
Justiça, com apoio no entendimento doutrinário majoritário, estabeleceu
esse termo final, que se dará com o advento dos prazos estabelecidos no
art. 109 do CP.
Condicionar a suspensão da contagem prescricional a
um evento incerto – o comparecimento do acusado ao processo – é, por
óbvio, tornar indefinido o final do prazo de suspensão da prescrição,
tornando o delito, ao menos em tese, imprescritível.
Por outro lado, é certo que a Constituição
estabeleceu, taxativamente, as hipóteses de imprescritibilidade - nos
crimes de racismo e na ação de grupos armados, civis ou militares,
contra a ordem constitucional e o Estado Democrático – exatamente para
proibir a imprescritibilidade em qualquer outro delito, ressalvada a dos
delitos contra a humanidade, nos termos do direito universal emanado da
ONU. Trata-se de "silêncio eloqüente" da Constituição brasileira. Não
tem sentido afirmar que o legislador ordinário pode tornar
imprescritível um delito de desacato ou de furto.
Na clássica lição de Carlos Maximiliano, normas
restritivas de direitos fundamentais devem ser interpretadas
restritivamente, para restringir ao mínimo o direito posto. É assim que
deve ser interpretado o nuclear artigo 5º da Constituição. Se o
dispositivo permitiu a imprescritibilidade apenas em duas hipóteses é
porque a proibiu em qualquer outra.
Esperemos, pois, que o Supremo Tribunal Federal se
curve ao entendimento da sua maioria e imponha um prazo final para o
período de suspensão da contagem da prescrição estabelecida no art. 366
do CPP. Não só porque a suspensão pressupõe prazo final, mas porque essa
exegese se coaduna melhor com o instituto da prescrição, que visa a
impedir processos e execuções penais depois de anos ou décadas, quando
já tenha desaparecido (completamente) o interesse social de punição do
infrator.
[1] CAPEZ, Fernando. Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p. 551. [2] E tais argumentos são exatamente os mesmos argumentos que constam no voto do então Ministro Sepúlveda Pertence, proferido no julgamento do processo de Extradição n. 1042, acatado pela unanimidade dos demais nove Ministros que participaram do julgamento.
[1] CAPEZ, Fernando. Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p. 551. [2] E tais argumentos são exatamente os mesmos argumentos que constam no voto do então Ministro Sepúlveda Pertence, proferido no julgamento do processo de Extradição n. 1042, acatado pela unanimidade dos demais nove Ministros que participaram do julgamento.
Fonte: GOMES, Luiz Flávio. MACIEL, Silvio.Contagem da prescrição durante a suspensão do processo: súmula 415 do STJ . Disponível em http://www.lfg.com.br - 20 janeiro. 2010.