Se o conjunto probatório deixou evidente que o agente ameaçou de morte sua ex-convivente, não há falar em absolvição do crime de ameaça.
Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul - TJMS
Primeira Turma Criminal
Apelação Criminal - Detenção e Multa - N. 2010.016186-6/0000-00 - Campo Grande.
Relatora - Exmª Srª Desª Marilza Lúcia Fortes.
Apelante - Ministério Público Estadual.
Prom. Just - Ana Lara Camargo de Castro .
Apelante - Defensoria Pública de Defesa da Mulher.
Def.Pub.1ª Inst - Maria Gisele Scavone de Mello.
Apelante - Claudir Pereira Prado.
Advogado - Teodomiro Morais de Almeida.
Apelado - Claudir Pereira Prado.
Advogado - Teodomiro Morais de Almeida.
Apelado - Ministério Público Estadual.
Prom. Just - Ana Lara Camargo de Castro .
Apelada - Defensoria Pública de Defesa da Mulher.
Def.Pub.1ª Inst - Maria Gisele Scavone de Mello.
EMENTA – APELAÇÃO CRIMINAL – AMEAÇA –
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO – ALEGADA AUSÊNCIA DE PROVAS
– PROVAS DA AUTORIA E MATERIALIDADE – IMPROVIDO.
Se o conjunto probatório deixou evidente
que o agente ameaçou de morte sua ex-convivente, não há falar em
absolvição do crime de ameaça.
APELAÇÃO CRIMINAL – AMEAÇA - VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA – SUBSTITUIÇÃO DA PENA POR RESTRITIVAS DE DIREITOS – RECURSO
MINISTERIAL - VEDAÇÃO LEGAL – ART. 44, I, CP – CONCESSÃO DA SUSPENSÃO
CONDICIONAL DA PENA – PROVIDO.
O art. 44, I, do CP não permite a
substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos
para os crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa,
devendo, caso preenchidos os requisitos legais, ser concedida a
suspensão condicional da pena ao agente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os juízes da Primeira Turma Criminal do Tribunal de
Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas
taquigráficas, por unanimidade e com o parecer, dar provimento ao
recurso ministerial e negar provimento ao apelo defensivo.
Campo Grande, 3 de agosto de 2010.
Desª Marilza Lúcia Fortes – Relatora
RELATÓRIO
A Srª Desª Marilza Lúcia Fortes
Claudir Pereira Prado foi condenado à
pena de 01 mês de detenção, no regime aberto, substituída por
restritivas de direitos, por infração ao art. 147 do Código Penal (f.
93-96).
O Ministério Público recorre, aduzindo
que a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de
direitos não é aplicável aos delitos praticados com violência ou grave
ameaça à pessoa, pedindo a concessão da suspensão condicional da pena
(sursis) ao apelado, prequestionando a matéria (f. 102-107).
A vítima, através da Defensoria Pública Estadual, ratificou o recurso ministerial (f. 114-117).
A defesa apresentou as contrarrazões aos
recursos, pedindo a manutenção da substituição da pena por restritivas
de direitos (f. 155-166 e 169-178).
Em suas razões recursais, Claudir pede a
absolvição, ante a fragilidade ou inexistência de provas da prática do
crime (f. 128-137).
O órgão ministerial e a vítima, em contrarrazões, pugnaram pelo improvimento do recurso defensivo (f. 141-143 e 146-150).
No parecer, a Procuradoria-Geral de
Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso ministerial e
improvimento do recurso defensivo (f. 188-193).
VOTO (EM 27.7.2010)
A Srª Desª Marilza Lúcia Fortes (Relatora)
Narra-se na denúncia que no dia
11/06/08, por volta das 12:00 horas, na Rua Jandiatuba, 01, Vila
Margarida, nesta capital, o denunciado ameaçou a vítima Laura Alice
Almeida, sua ex-convivente, dizendo-lhe “eu vou te matar”.
O apelante pede a absolvição, ante a fragilidade ou inexistência de provas da prática do crime.
Compulsando os autos constata-se que a
vítima Laura e o apelante conviveram por aproximadamente 04 anos e
recentemente haviam rompido o relacionamento, tendo o apelante
concordado que ela continuasse residindo no imóvel de sua propriedade,
uma vez que possuíam uma filha em comum.
No dia dos fatos, o apelante foi até a
casa da vítima, embriagado e agressivo e, após discutirem porque queria
que ela desocupasse a casa, ameaçou-a de morte.
Ao ser ouvido em juízo, o apelante
declarou que “nega os fatos da denúncia; que iniciou uma discussão
verbal com a vítima em razão da filha do casal que se encontrava com uma
queimadura no peito; que a filha do casal relatou que o queimado foi
causado pelo ferro de passar roupa dado pela mãe;... em momento algum
ameaçou a vítima, pois isso não é do seu feitio (...).” (f. 75).
Em juízo, a vítima Laura e a testemunha Wilson Aparecido Dias confirmaram os fatos narrados na denúncia:
“Que deseja processar o acusado; que são
verdadeiros os fatos narrados na denúncia; que os fatos se deram na
residência da vítima; que o acusado começou a discutir com a vítima por
motivo de filhos e proferiu as palavras constantes na denúncia (...).”
(vítima Laura – f. 70)
“Que não presenciou os fatos; que ficou
sabendo dos fatos por relatos da própria vítima, a qual disse para o
depoente que o acusado a vivia ameaçando, pois esta residia no imóvel
dele; que o depoente esteve com o acusado por uma vez quando foi
procurar a depoente para na residência constante na denúncia a fim de
cobrar uma dívida; que nesta ocasião o acusado mostrou-se bastante
agressivo; que o acusado falou para o depoente que iria mandar embora a
vítima daquela casa, xingando-a; que quando a vítima relatou os fatos
relativos à denúncia ao depoente, parecia estar assustada (...).”
(Wilson – f. 72)
Desta forma, restando demonstrado pelo
conjunto probatório que o apelante ameaçou de morte sua ex-companheira,
não há falar em absolvição.
Nesse sentido:
“AMEAÇA – IN DUBIO PRO REO. Se os
depoimentos das testemunhas são harmônicos e conduzem a conclusão de que
a acusada foi, de fato, a autora das ameaças sofridas pela vítima, não
há razão para a aplicação do in dubio pro reo. Sentença mantida. (TJDF,
AC 20030110719960APJ- Rel. Maria de Fátima Rafael de Aguiar Ramos – DJ
24.10.2005, p. 127)
“APELAÇÃO CRIMINAL – AMEAÇA NO ÂMBITO
FAMILIAR E DESOBEDIÊNCIA – ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PROVAS A LASTREAR O
ÉDITO CONDENATÓRIO – INOCORRÊNCIA – PROVAS INEQUÍVOCAS DA PRÁTICA DO
CRIMES PERPETRADOS – RECURSO IMPROVIDO. Não há falar em ausência de
provas do crime de ameaça, ou desobediência, quando o depoimento da
vítima é corroborado com as demais provas testemunhais que confirmam que
o agente, desrespeitando a determinação judicial que determinou que o
apelante mantivesse a distância de 200 metros da vítima, adentrou em sua
casa e ameaçou de atear fogo.” (TJMS, Primeira Turma Criminal, Apelação
Criminal - Detenção e Multa - N. 2009.015258-8/0000-00 – Camapuã.
Relatora. Desª Marilza Lúcia Fortes. Julgado em 7.7.2009)
RECURSO MINISTERIAL
O Parquet alega que a substituição da
pena privativa de liberdade por restritivas de direitos não é aplicável
ao caso em tela, já que o apelante foi condenado por crime praticado com
grave ameaça (ameaça).
Sobre a substituição da pena corporal pela restritiva de direito, o aludido art. 44 do Código Penal prescreve que:
“Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I – aplicada a pena privativa de
liberdade não superior a 04 (quatro) anos E O CRIME NÃO FOR COMETIDO COM
VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA À PESSOA...”.
Como se verifica, o dispositivo supra
transcrito não permite a substituição da pena para os crimes cometidos
com violência ou grave ameaça à pessoa, como ocorreu no caso em tela.
Sobre esse assunto, o STF, em recente
decisão no HC 97.333/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, julgado em
24/03/2009, DJe 20/04/2009, decidiu que “... A teor do art. 44, inciso
I, do Código Penal, é vedada a substituição de pena privativa de
liberdade por restritiva de direitos quando se tratar de condenação
superior a quatro anos de reclusão, ou por crime praticado com violência
ou grave ameaça à pessoa...”.
Nesse sentido:
“HABEAS CORPUS – DIREITO PENAL – LESÃO
CORPORAL DE NATUREZA GRAVE – SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE
DIREITOS – NÃO CABIMENTO. 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de
Justiça firmou já entendimento no sentido de não ser possível, nos
casos de lesão corporal grave, a substituição da pena prisional por
restritiva de direitos, ex vi do disposto no inciso I do art. 44 do
Código Penal. Precedente. 2. Writ denegado.” (STJ – HC 200302228170 –
(32240 RS) – 6ª T. - Rel. Min. Hamilton Carvalhido – DJU 13.12.2004 – p.
00460)
“(...) 3) Embora a pena aplicada seja
inferior a dois anos, por força do disposto no art. 44, I, do CP (crime
foi praticado mediante violência contra a pessoa), fica vedada a
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito.
Com efeito, há que se conceder a suspensão da aplicação da pena
(sursis), diante da presença dos requisitos alinhavados pelo art. 77, do
mesmo diploma legal. 4) Apelo parcialmente provido. (TJAP – AC 156502 –
C.Ún. - Rel. Juiz Conv. Luciano Assis – DJAP 14.04.2004 – p. 16)
Dessa forma, afasto a substituição da
pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e, preenchidos
os requisitos previstos no art. 77, do CP, concedo ao apelado a
suspensão condicional da pena pelo prazo de 02 (dois) anos, devendo no
1º ano prestar serviços à comunidade, nos termos do art. 78, 1º, CP,
sendo que as demais condições serão estabelecidas pelo Juízo da Execução
Penal.
Diante do exposto, com o parecer, nego provimento ao recurso defensivo e dou provimento ao recurso ministerial.
O Sr. Des. Dorival Moreira dos Santos (1º Vogal)
De acordo com a relatora.
CONCLUSÃO DE JULGAMENTO ADIADA EM FACE
DO PEDIDO DE VISTA DO 2º VOGAL (DES. JOÃO CARLOS BRANDES GARCIA), APÓS A
RELATORA E O 1º VOGAL NEGAREM PROVIMENTO AO RECURSO DEFENSIVO E DAREM
PROVIMENTO AO APELO MINISTERIAL.
V O T O (EM 3.8.2010)
O Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia (2º Vogal)
Pedi vista dos autos para melhor
analisar e matéria e entendo que a razão está, de fato, com a Relatora,
que após analisar detidamente o conjunto probatório carreado ao
processo, convenceu-se pela manutenção da condenação do réu.
Quanto ao provimento do apelo
ministerial, esta questão já foi submetida a julgamento por meio da
Apelação Criminal de nº N. 2010.012925-3/0000-00, cujo acórdão restou
por mim ementado nos seguintes termos:
“EMENTA – APELAÇÃO CRIMINAL – RECURSO
MINISTERIAL – LEI MARIA DA PENHA – DESCONSTITUIÇÃO DA SUBSTITUIÇÃO DA
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS – VEDAÇÃO
EXPRESSA NO ART. 44, I DO CP E ART. 41 DA LEI 11.343/06 – SUSPENSÃO
CONDICIONAL DA PENA – ART. 77 DO CP – CONCESSÃO – RECURSOS PROVIDOS.
É incabível a substituição da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos quando o crime é
praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, por expressa
disposição do art. 44, I do Código Penal, bem como do art. 41 da Lei
11.343/06, que veda a incidência da Lei 9.099/95, nos crimes cometidos
no âmbito doméstico e familiar contra a mulher.
O sentenciado que preenche os requisitos
do artigo 77, I a III, do Código Penal, sendo primário, com
circunstâncias judiciais favoráveis e condenação inferior a 02 (dois)
anos, faz jus à suspensão condicional da pena.”
Por tais motivos, acompanho a relatora para o fim de negar provimento ao apelo defensivo e dar provimento ao apelo ministerial.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE E COM O PARECER, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO MINISTERIAL E NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DEFENSIVO.
Presidência do Exmo. Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia.
Relatora, a Exmª Srª Desª Marilza Lúcia Fortes.
Tomaram parte no julgamento os Exmos.
Srs. Desembargadores Marilza Lúcia Fortes, Dorival Moreira dos Santos e
João Carlos Brandes Garcia.
Campo Grande, 3 de agosto de 2010.
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