Por Juliano Taveira Bernardes* e Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira**
Foi com surpresa que lemos a notícia da declaração da Presidenta Dilma:
“Quero, nesse momento, propor um debate sobre a convocação de um plebiscito popular que autorize o funcionamento
de um processo constituinte específico para fazer a reforma política
que o país tanto necessita. O Brasil está maduro para avançar. (…) ”
(cf. site http://blog.planalto.gov.br/dilma-propoe-plebiscito-para-reforma-politica/, acesso dia 24/06/2013).
Como é cediço, as normas constitucionais
são dotadas de supremacia, a qual configura princípio constitucional
implícito, o que significa que todas as normas do ordenamento jurídico
devem com ela guardar relação de compatibilidade, sob pena da prática de
ato nulo.
Mas a Constituição admite alterações, as
quais somente poderão ocorrer por meio de emenda constitucional (art.
60 da CF), sujeita a diversos limites: expressos e implícitos.
Dentre os implícitos ressaltamos que não
mais cabe revisão constitucional para alteração da Constituição, eis
que só prevista uma vez no art. 3º do ato das disposições
constitucionais transitórias (ADCT), afigurando-se como limite implícito
ao poder derivado reformador: “a proibição a que se façam novas revisões constitucionais, porquanto tal norma limitadora é obtida da interpretação a contrario sensu do
art. 3º do ADCT, ao argumento de que, se fossem permitidas novas
revisões, o constituinte originário as teria previsto expressamente”
(cf. Juliano Taveira Bernardes e Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira,
Direito Constitucional, Tomo I, Salvador: Juspodivm, 2012, p. 123). Em
poucas palavras, atualmente qualquer revisão constitucional não é
autorizada pela Lei Maior.
Mas se uma emenda constitucional alterasse o art. 3º do ADCT, permitindo uma reforma constitucional sujeita a plebiscito?
Trata-se da aplicação do que se
convencionou chamar de teoria da “dupla reforma” ou da reforma em “dois
tempos”, que é uma “teoria concebida para contornar as limitações
constitucionais ao poder de reforma, mediante duas operações
subsequentes de alteração formal da constituição. Numa primeira
operação, revogam-se ou excepcionam-se as limitações criadas pelo poder
constituinte originário; numa segunda operação, altera-se a
constituição, sem nenhum desrespeito ao texto já em vigor após a
modificação anterior.
O argumento básico em defesa da dupla
revisão está em que são relativos, e não absolutos, os eventuais limites
impostos ao poder constituinte derivado. As normas que regulam os
limites materiais ao poder de reforma constitucional não deixam de ter a
mesma hierarquia que as demais normas constitucionais. Daí, se
inexistem normas constitucionais a proibi-la, a dupla revisão
constitucional é juridicamente possível.
Na doutrina estrangeira, a dupla revisão
é defendida por autores a entender que as regras do processo de revisão
constitucional são suscetíveis de modificação como quaisquer outras
normas; e também as normas que contemplem limites expressos não são
lógica nem juridicamente necessárias, de modo que se podem revisá-las do
mesmo modo que quaisquer outras normas. Mas as normas que fixem tais
limites devem ser cumpridas enquanto não forem alteradas.
No Brasil, a possibilidade da dupla
revisão é minoritária. Os que a defendem afirmam inexistirem limites
implícitos contra a alteração dos limites materiais explícitos, porque
cláusulas implícitas “há por todos os gostos” (FERREIRA FILHO, 1995, p.
14 e segs.). Para outros, a dupla reforma é admissível, desde que não
altere o caráter rígido da Constituição brasileira (MACHADO HORTA).
No entanto, a tese da dupla revisão é
rejeitada pela esmagadora maioria da doutrina nacional, que a considera
verdadeira fraude à autoridade do constituinte originário” (cf. Juliano
Taveira Bernardes e Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira, Direito
Constitucional, Tomo I, Salvador: Juspodivm, 2012, p. 125).
No Supremo Tribunal Federal prevalece o entendimento ora defendido no sentido da impossibilidade da dupla revisão:
“Ao Poder Legislativo, federal ou
estadual, não está aberta a via da introdução, no cenário jurídico, do
instituto da revisão constitucional.” (ADI 1.722-MC, Rel. Min. Marco
Aurélio, julgamento em 10-12-1997, Plenário, DJ de 19-9-2003.)
“Emenda ou revisão, como processos de
mudança na Constituição, são manifestações do poder constituinte
instituído e, por sua natureza, limitado. Está a ‘revisão’ prevista no
art. 3º do ADCT de 1988 sujeita aos limites estabelecidos no § 4º e seus
incisos do art. 60 da Constituição. O resultado do plebiscito de 21 de
abril de 1933 não tornou sem objeto a revisão a que se refere o art. 3º
do ADCT. Após 5 de outubro de 1993, cabia ao Congresso Nacional
deliberar no sentido da oportunidade ou necessidade de proceder à
aludida revisão constitucional, a ser feita ‘uma só vez’” (ADI 981-MC,
Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 17-3-1993, Plenário, DJ de
5-8-1994.)
Portanto, concluímos que a proposta de
convocação de um plebiscito popular que autorize o funcionamento de um
processo constituinte específico para a elaboração de uma revisão
constitucional que viabilize a reforma política é manifestamente
inconstitucional, afigurando-se como uma fraude à Constituição.
* Juiz Federal. Mestre em “Direito e
Estado” pela Universidade de Brasília (UnB). Professor convidado dos
cursos de pós-graduação em Direito Constitucional e Direito Tributário
da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG) e dos
cursos de pós-graduação em Direito (JusPodivm e LFG).
** Doutor e Mestre em Direito do Estado
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Procurador do
Estado de São Paulo desde 1998. Professor convidado de cursos de
pós-graduação (PUC-COGEAE, UFBA, Escola Superior do Ministério Público,
JusPodivm, FAAP, LFG e USP-FDRP), orientador da pós-graduação da Escola
Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Autor de livros
jurídicos.