LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.
A criminologia midiática, como parte da
premissa equivocada de que o maior rigor penal significa automaticamente
menos crimes, procura quase sempre realçar o lado punitivo das novas
leis e das políticas públicas (como se ele fosse a solução dos
problemas). Veja esta notícia: “Cresce 50% o número de motoristas presos
após lei seca ficar mais rígida” (O Estado de S. Paulo de 04.02.13, p.
C1).
Qual mensagem está transmitindo aos
leitores desavisados? A nova lei é mais rígida, a lei mais rígida
significa mais prisão e (implicitamente) mais prisão significa menos
crimes. Essa crença está fundada numa causalidade mágica que não se
sustenta. Zaffaroni (2012ª, p. 303) explica:
“(Criminologia paralela) Dissemos,
desde o nosso primeiro encontro, que existe uma criminologia midiática
que pouco tem a ver com a acadêmica. Poder-se-ia dizer que, em paralelo
às palavras da academia, há uma outra criminologia que atende a uma
criação da realidade através da informação, subinformação e
desinformação midiática, em convergência com preconceitos e crenças, que
se baseia em uma etiologia criminal simplista, assentada em uma
causalidade mágica.
“(Sempre houve criminologias midiáticas) Sempre houve criminologias midiáticas vindicativas que apelaram para uma causalidade mágica.
O mágico não é a vingança que, como vimos há uns dias, é um sentimento
que se reforça por efeito da concepção linear do tempo que caracteriza a
nossa civilização. O mágico é a ideia da causalidade especial, usada
para canalizar a vingança contra determinados grupos humanos, o que,
nos termos da tese de René Girard que comentamos dias atrás, faz desses
grupos humanos bodes expiatórios.”
Há uma conivência entre o poder punitivo estatal e a criminologia midiática (que se encarrega da sua propaganda):
o primeiro muitas vezes adota posturas inconstitucionais ou ilegais
(porque o estado de polícia é tendencialmente autoritário) e tudo isso
acaba sendo difundido pela propaganda midiática desse poder punitivo
estatal nem sempre respeitador do estado de direito.
No caso concreto da interpretação da nova
lei seca, a Resolução 432/13 do Contran adotou erradamente o critério
quantitativo para distinguir a infração administrativa da criminal (0,34
mg/L de ar expelido já é crime, independentemente da forma de conduzir o
veículo e da real alteração da capacidade psicomotora do agente).
Antes, a lei de 2008 não “pegou” porque
foi malfeita. Agora o nova lei seca corre o risco de também “não pegar”
porque a interpretação está sendo malfeita. Se o critério é
quantitativo, basta que o condutor se recuse a fazer o etilômetro ou o
exame de sangue. Restarão os sinais. Ocorre que os sinais são de
valoração subjetiva. O policial pára o condutor e nota sinais de
embriaguez. Onde vai enquadrá-lo? Na infração administrativa ou no
crime? Aqui não existe base para o critério quantitativo. Tudo depende
da valoração do policial e, depois, do juiz.
Qual seria o critério válido para a
distinção? A forma de conduzir o veículo (normal ou anormal). Mas esse
critério não pode ser válido somente para quem recusou o etilômetro. Não
podemos ter dois critérios distintos, sob pena de violação do princípio
da igualdade. De acordo com nossa opinião o critério da condução
anormal é o que vale para todas as situações (é o mais justo, o mais
correto, o único constitucionalmente válido). Nada disso aparece na
criminologia midiática, que só pensa na causalidade mágica: mais rigor
da lei significa mais prisão e mais prisão significa menos crimes! Nem
sempre isso é correto. Aliás, quase sempre é incorreto. Ela acha que
quanto mais dureza, menos crimes. Crença infundada. De 1990 a 2012 o
legislador brasileiro aprovou 86 leis penais e nenhum crime diminuiu
(muito menos as mortes no trânsito).
O decisivo é a fiscalização (e a correta
aplicação da lei). Logo após o CTB (1997) tivemos diminuição nas mortes
no trânsito até o ano 2000. Por quê? Excelente fiscalização. A partir de
2001 os números voltarem a subir (sendo que a lei era a mesma). Por
quê? Porque a fiscalização afrouxou.
Conclusão: a eficácia preventiva da
punição é muito acessória e humilde. Não podemos jogar toda nossa
energia nela (como faz a criminologia midiática). O problema das mortes
no trânsito é mais complexo e passa pela fórmula EEFPP: Educação,
Engenharia, Fiscalização, Primeiros socorros e Punição. Tudo tem que
funcionar bem para que algum resultado positivo aconteça. Para a
criminologia midiática tudo se resolveria somente com o quinto eixo.
Deplorável engano!
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