Para
especialista em Direito Penal, colaboração de investigados não pode virar
rotina, sob risco de ajudar criminosos a reduzirem suas penas.
Instituto excepcional
para obtenção de provas, a delação premiada de investigados pode perder o
sentido e favorecer criminosos se virar rotina em processos judiciais, alerta a
advogada Patricia Vanzolini, mestre e doutora em Direito Penal pela PUC de São
Paulo.
Para a especialista,
que é professora de Direito Penal e Legislação Penal Especial e evita
conclusões sobre a Operação Lava Jato, a colaboração premiada, por si só, não
reduz a corrupção - e corre risco de ajudar figurões a aliviar penas nos crimes
que cometem. Confira:
Boa
parte dos processos penais, do alargamento das investigações e das condenações
judiciais pós Lava Jato se deve aos acordos de colaboração dos investigados.
Esse instituto veio para ficar?
O instituto não é tão
novo assim, já que existe desde 1990, tendo sido a lei de crimes hediondos a
primeira a tratar do assunto. A diferença é que o formato atual permite mais
possibilidades de se conseguir o acordo, e por isso tem maior âmbito de
aplicação.
Ainda
há dúvidas no meio jurídico sobre sua validade e aplicabilidade?
O instituto, em si,
não representa problemas, mas a forma com a qual está sendo executado pode, em
alguns casos, ser considerada inválida, ou seja, inconstitucional. A prática
deve ser aperfeiçoada, pois acordos feitos com réus presos, por exemplo,
comprometem a voluntariedade exigida pela lei. E a inclusão de cláusulas contra
direitos constitucionais ou a concessão de benefícios não previstos em lei não
devem ser admitidas.
A
lei prevê que os benefícios serão concedidos ao réu ou suspeito de cometer
crimes se as informações forem comprovadas, mas as confissões feitas por
investigados são provas inquestionáveis? Acordos de delação são 100%
confiáveis?
Nenhuma delação pode
ser considerada prova, apenas meio de obtenção de provas. Assim, todo o alegado
pelo delator deve ser comprovado por outras provas.
Na
opinião da senhora, a delação reconfigura a relação das empresas e entes
privados com o poder público, no sentido de combater a corrupção?
A delação premiada,
em si, não vai reduzir a corrupção. É medida posterior que visa facilitar o
processo e eventual apuração de responsabilidades. A corrupção deve ser
combatida com informação e sistemas de controle da atividade pública.
Juristas
dizem que delação e acordo de leniência são a mesma coisa, só mudam de nome.
Enquanto se aplica a delação premiada a pessoas físicas, a pessoa jurídica só
pode informar sua conduta, dizer que fez cartel no contrato tal... Acha que a
delação e os acordos de leniência tendem a se consolidar?
Apesar da delação que
hoje vemos ter previsão apenas para o crime organizado, creio que se tornará
padrão para qualquer situação de coautoria criminosa, pois traz uma situação
melhor ao réu de um processo. Do mesmo modo, acordos de leniência também são
considerados institutos políticos que ponderam sobre a real necessidade de se
aplicar uma sanção sem pensar na contraprestação social que possa advir disso.
Enquanto tiverem previsão legal, poderão ser aplicados. O receio é que a prática
está atropelando a teoria, e talvez só tenhamos ideia do comprometimento do
sistema processual democrático depois que algumas injustiças forem cometidas.
As
investigações contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que correm no
Supremo Tribunal Federal, surgiram na colaboração de Júlio Camargo na Lava
Jato. Significa que essa prática, de delação, já “pegou” a ponto de ameaçar
figurões do alto escalão da República?
Não se trata de
“pegar” ou não. Trata-se de mais um método de obtenção de prova que passa a
integrar o sistema processual penal, especificamente no tocante à investigação
do crime organizado. Se alguém se vale de uma organização para cometer crimes,
posteriormente poderá se valer do instituto em seu favor. Não se pode dizer que
os figurões se sentirão ameaçados, mas certamente sabem que agora dispõem de
mais uma forma de reduzir ou afastar a pena pelos crimes que cometeram. Por
isso, a delação configura um método excepcional de complementação, diante da
impossibilidade de obter algumas provas por meios normais.
Num
ambiente nebuloso como o atual, como garantir que as informações do delator
batem com a realidade?
Novamente, a delação
é um meio de obtenção de prova. Por meio dela se devem buscar outras provas
para corroborar o alegado pelo delator. A polícia tem experiência em
investigações e cabe a ela encontrar, pelos meios tradicionais e menos
excepcionais, as provas sobre o fato.
O
delator se compromete a colaborar com a Justiça e denunciar os integrantes da
organização criminosa. A soltura do delator, seja a liberdade condicional ou a
prisão domiciliar, seria um prêmio para criminosos?
É, de fato, um
prêmio. Por isso se chama delação premiada. Troca-se a punição de todos pela de
alguns, por interesse social.
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