12.8.2008
Primeira Turma Criminal
Conflito de Jurisdição - N. 2008.015531-6/0000-00 -
Campo Grande.
Relatora
- Exma. Srª. Desª Marilza Lúcia Fortes.
Suscitante
- Juízo de Direito da Infância, Juventude e do Idoso da Comarca
de Campo Grande.
Suscitado
- Juízo de Direito da Vara da Violência
Doméstica e Familiar Contra a
Mulher e Carta Precatória Criminal da Comarca de Campo Grande.
Intdo
- Marcelo Ribeiro.
Advogado
- Custódio Godoeng Costa.
Intdo
- Ministério Público Estadual.
Prom.
Just.
- Ana Lara Camargo de Castro.
E M E N T
A –
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – CRIME DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – VÍTIMA
ADOLESCENTE – ENCAMINHAMENTO À VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE – RESOLUÇÃO
TJMS N. 534/07 – COMPETÊNCIA DA VARA DA VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA
DE CAMPO GRANDE.
Conquanto pareça que, com a entrada em vigor da Resolução n.
534/07, toda e qualquer ação penal em que haja uma vítima menor de idade deva ser
encaminhada para a Vara da Infância e da Juventude, a competência desta
Vara Especializada só se imporá quando o crime tenha sido praticado pelo
acusado aproveitando-se da condição de hipossuficiência do incapaz, por ser
criança ou adolescente.
Quando o delito for praticado em decorrência de relação
conjugal, amorosa, o processo deve ser julgado pela Vara da Violência Doméstica
contra a Mulher.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam
os juízes da Primeira Turma Criminal do Tribunal de Justiça, na
conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, declarar
competente a Vara de Violência Doméstica e Familiar da Comarca desta Capital,
unânime, com o parecer.
Campo Grande, 12 de agosto de 2008.
Desª Marilza Lúcia Fortes – Relatora
RELATÓRIO
A Srª. Desª Marilza Lúcia
Fortes
O Juiz de Direito da Vara da Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca
de Campo Grande declinou da competência dos Autos n. 001.08.011063-1,
encaminhando-o ao Juiz de Direito da Vara da Infância, da Juventude e do
Idoso da Comarca de Campo Grande, que entendeu não ser competente para o
processamento do feito e suscitou conflito negativo de competência (f. 31).
A Srª. Desª Marilza Lúcia
Fortes (Relatora)
Segundo consta, no dia 01 de março de 2008, o denunciado
Marcelo Ribeiro tentou, mediante uso de ameaça e força física, constranger
sua ex-companheira Fernanda Lima da Silva, de 14 anos de idade, à conjunção carnal.
No mesmo dia, o denunciado se dirigiu à residência da
vítima e a agrediu fisicamente, causando-lhe lesões corporais nas pernas e
joelhos, e, nessa ocasião, ainda ameaçou a genitora da vítima, Sirlene Lima
dos Santos, dizendo que se ela noticiasse o ocorrido às autoridades “não
teria uma semana de vida e se ele não fizesse teria alguém que faria por
ele”.
Em audiência de interrogatório do denunciado, o
suscitado, Juiz de Direito da Vara da Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca
de Campo Grande, declinou da competência dos autos, remetendo-o para a Vara
da Infância de Juventude desta Comarca, alegando que “a Resolução
editada pelo TJ-MS determinou a competência daquela vara para conhecer dos
processos em que a vítima é menor de idade”
(f. 31).
O suscitante, Juiz de Direito da Vara da Infância,
Juventude e do Idoso da Comarca de Campo Grande, entendeu não ser
competente para o processamento do feito e suscitou conflito negativo de
competência, aduzindo que, in verbis (f. 06):
“(...) conquanto, prima facie, pareça que, com a
entrada em vigor da Resolução n. 534, de 17-10-2007, toda e qualquer ação
penal em que haja uma vítima menor de idade deva ser encaminhada para a Vara da Infância,
Juventude e do Idoso, até mesmo porque a aludida resolução não faz
ressalvas, o tema merece maior divagação.
(...)
A competência desta Vara Especializada só se
imporá quando o crime tenha sido praticado pelo acusado aproveitando-se da
condição de hipossuficiência do incapaz, por ser criança ou adolescente,
como, v.g., nos casos de delitos perpetrados valendo-se da condição de
responsável pelo poder familiar ou por ser responsável legal.
(...) Com efeito, quando o delito ocorreu porque o
agente abusou de sua condição de pai ou mãe (poder familiar), avós,
padrasto ou representante legal, é claro que o fato deverá ser avaliado à
luz do Estatuto da Criança e do Adolescente e, portanto, a competência é da
Vara da Infância, da Juventude e do Idoso – VIJI.
No entanto, quando o delito foi praticado contra
esposa, convivente, namorada, isto é, quando decorreu de relação conjugal,
amorosa, etc., o processo deve ser julgado pela Vara da Violência Doméstica
contra a Mulher. (...)
Como visto, o que se deve perquirir, no caso concreto,
é se a violência foi praticada em razão do gênero da vítima (Lei Maria da
Penha) ou em razão da idade (ECA). (...).”
Assiste razão ao juízo suscitante.
Verifica-se que, no caso em tela, o denunciado praticou
os crimes de tentativa de estupro e lesão
corporal em virtude de a vítima Fernanda ser sua ex-companheira, com a qual
manteve um relacionamento amoroso, e não em razão de ela ser adolescente
nem valendo-se da condição de responsável pelo poder familiar ou legal,
tanto que lhe disse no momento dos fatos: “Agora Nandinha, você vai ter
que brincar comigo nem que seja pela última vez.” (f. 20).
Como bem asseverou a d. Procuradora de Justiça (f. 39):
“Ademais, deve-se levar em conta o vínculo que o
acusado agressor mantinha com a vítima Fernanda, que em se tratando de
vínculo marital anterior e, sendo o agressor ex-amásio, aplica-se a
competência da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Inegavelmente, as circunstâncias deram-se em relação ao
affectio maritalis anterior que envolvia a vítima e o acusado, e assim, não
há de se falar em relação de hipossuficiência.”
Extrai-se que o caso em tela se amolda ao previsto no
art. 5º, III, da Lei n. 11.340/06, que dispõe, in verbis:
“Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e
familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gero que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral
ou patrimonial:
(...)
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o
agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de
coabitação.”
Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci ressalta:
“Relação íntima de afeto: é o relacionamento
estreito entre duas pessoas, fundamento em amizade, amor, simpatia, dentre
outros sentimentos de aproximação. (...) Na Lei 11.340/2006 basta a
convivência presente ou passada, independentemente de coabitação.”
Neste sentido já decidiu esta Turma Criminal:
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – ROUBO E CORRUPÇÃO
DE MENOR – CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA –
VARA ESPECIALIZADA AMPLIADA PELA RESOLUÇÃO TJ-534/07 OU VARA CRIMINAL
RESIDUAL – INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA – CRIME PRATICADO CASUALMENTE CONTRA MENOR – SITUAÇÃO QUE NÃO SE ENQUADRA NO OBJETIVO DA
RESOLUÇÃO – PROTEÇÃO DO MENOR EM SITUAÇÃO DE DESEQUILÍBRIO COM O AGRESSOR
EM FACE DAQUELA CONDIÇÃO DE MENORIDADE, E NÃO POR TER OCORRIDO CASUALMENTE
DE SER A VÍTIMA UM MENOR – RESOLUÇÃO DO TJMS N.
542/08 – REDEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA DA VARA ESPECIALIZADA – COMPETÊNCIA DA
VARA CRIMINAL RESIDUAL – CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA PROCEDENTE. Por
interpretação histórica sobre o texto da Resolução TJ 534 de 17 de outubro
de 2007, fixa-se a competência da Vara Criminal Residual nos crimes em que
a vítima é casualmente um menor, não tendo
ocorrido em vista da sua hipossuficiência explorada pelo agente. (...) (TJMS,
Rel. Des. Gilberto da Silva Castro, Primeira Turma Criminal, Conflito de
Jurisdição - N. 2008.005361-0/0000-00 - Campo Grande, j. Em 22/04/08)
Diante do exposto, com o parecer, conheço do conflito
negativo de competência, a fim de declarar competente para processar e
julgar o presente feito o juízo suscitado, isto é, o Juiz de Direito da
Vara da Violência Doméstica
e Familiar contra a Mulher da Comarca de Campo Grande.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão
foi a seguinte:
DECLARARAM COMPETENTE A VARA DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR DA COMARCA DESTA CAPITAL,
UNÂNIME, COM O PARECER.
Presidência do Exmo. Sr. Des. João Batista da
Costa Marques.
Relatora, a Exma. Srª. Desª Marilza Lúcia Fortes.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs.
Desembargadores Marilza Lúcia Fortes, João Batista da Costa Marques e
Claudionor Miguel Abss Duarte.
Campo Grande, 12 de agosto de 2008.
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