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04 setembro 2012

Conflito de Jurisdição (Decisão) 2


12.8.2008

Primeira Turma Criminal

Conflito de Jurisdição - N. 2008.015531-6/0000-00 - Campo Grande.
Relatora                  -   Exma. Srª. Desª Marilza Lúcia Fortes.
Suscitante                -   Juízo de Direito da Infância, Juventude e do Idoso da Comarca de  Campo Grande.
Suscitado                -   Juízo de Direito da Vara da Violência Doméstica e Familiar Contra a
                                   Mulher e Carta Precatória Criminal da Comarca de Campo Grande.
Intdo                       -   Marcelo Ribeiro.
Advogado               -   Custódio Godoeng Costa.
Intdo                       -   Ministério Público Estadual.
Prom. Just.              -   Ana Lara Camargo de Castro.
E M E N T A           –   CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – VÍTIMA ADOLESCENTE – ENCAMINHAMENTO À VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE – RESOLUÇÃO TJMS N. 534/07 – COMPETÊNCIA DA VARA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE CAMPO GRANDE.
Conquanto pareça que, com a entrada em vigor da Resolução n. 534/07, toda e qualquer ação penal em que haja uma vítima menor de idade deva ser encaminhada para a Vara da Infância e da Juventude, a competência desta Vara Especializada só se imporá quando o crime tenha sido praticado pelo acusado aproveitando-se da condição de hipossuficiência do incapaz, por ser criança ou adolescente.
Quando o delito for praticado em decorrência de relação conjugal, amorosa, o processo deve ser julgado pela Vara da Violência Doméstica contra a Mulher.

A  C  Ó  R  D  à O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Primeira Turma Criminal do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, declarar competente a Vara de Violência Doméstica e Familiar da Comarca desta Capital, unânime, com o parecer.

Campo Grande, 12 de agosto de 2008.

Desª Marilza Lúcia Fortes – Relatora
RELATÓRIO
A Srª. Desª Marilza Lúcia Fortes
O Juiz de Direito da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Campo Grande declinou da competência dos Autos n. 001.08.011063-1, encaminhando-o ao Juiz de Direito da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca de Campo Grande, que entendeu não ser competente para o processamento do feito e suscitou conflito negativo de competência (f. 31).
A Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo provimento do conflito para que seja julgado competente o juiz suscitado, isto é, o Juiz de Direito da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Campo Grande (f. 36-43). 

VOTO
A Srª. Desª Marilza Lúcia Fortes (Relatora)
Segundo consta, no dia 01 de março de 2008, o denunciado Marcelo Ribeiro tentou, mediante uso de ameaça e força física, constranger sua ex-companheira Fernanda Lima da Silva, de 14 anos de idade, à conjunção carnal.
No mesmo dia, o denunciado se dirigiu à residência da vítima e a agrediu fisicamente, causando-lhe lesões corporais nas pernas e joelhos, e, nessa ocasião, ainda ameaçou a genitora da vítima, Sirlene Lima dos Santos, dizendo que se ela noticiasse o ocorrido às autoridades “não teria uma semana de vida e se ele não fizesse teria alguém que faria por ele”.
Em audiência de interrogatório do denunciado, o suscitado, Juiz de Direito da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Campo Grande, declinou da competência dos autos, remetendo-o para a Vara da Infância de Juventude desta Comarca, alegando que “a Resolução editada pelo TJ-MS determinou a competência daquela vara para conhecer dos processos em que a vítima é menor de idade” (f. 31).
O suscitante, Juiz de Direito da Vara da Infância, Juventude e do Idoso da Comarca de Campo Grande, entendeu não ser competente para o processamento do feito e suscitou conflito negativo de competência, aduzindo que, in verbis (f. 06):

“(...) conquanto, prima facie, pareça que, com a entrada em vigor da Resolução n. 534, de 17-10-2007, toda e qualquer ação penal em que haja uma vítima menor de idade deva ser encaminhada para a Vara da Infância, Juventude e do Idoso, até mesmo porque a aludida resolução não faz ressalvas, o tema merece maior divagação.
(...)
 A competência desta Vara Especializada só se imporá quando o crime tenha sido praticado pelo acusado aproveitando-se da condição de hipossuficiência do incapaz, por ser criança ou adolescente, como, v.g., nos casos de delitos perpetrados valendo-se da condição de responsável pelo poder familiar ou por ser responsável legal.
(...) Com efeito, quando o delito ocorreu porque o agente abusou de sua condição de pai ou mãe (poder familiar), avós, padrasto ou representante legal, é claro que o fato deverá ser avaliado à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente e, portanto, a competência é da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso – VIJI.
No entanto, quando o delito foi praticado contra esposa, convivente, namorada, isto é, quando decorreu de relação conjugal, amorosa, etc., o processo deve ser julgado pela Vara da Violência Doméstica contra a Mulher. (...)
Como visto, o que se deve perquirir, no caso concreto, é se a violência foi praticada em razão do gênero da vítima (Lei Maria da Penha) ou em razão da idade (ECA). (...).”

Assiste razão ao juízo suscitante.
Verifica-se que, no caso em tela, o denunciado praticou os crimes de tentativa de estupro e lesão corporal em virtude de a vítima Fernanda ser sua ex-companheira, com a qual manteve um relacionamento amoroso, e não em razão de ela ser adolescente nem valendo-se da condição de responsável pelo poder familiar ou legal, tanto que lhe disse no momento dos fatos: “Agora Nandinha, você vai ter que brincar comigo nem que seja pela última vez.” (f. 20).
Como bem asseverou a d. Procuradora de Justiça (f. 39):

“Ademais, deve-se levar em conta o vínculo que o acusado agressor mantinha com a vítima Fernanda, que em se tratando de vínculo marital anterior e, sendo o agressor ex-amásio, aplica-se a competência da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Inegavelmente, as circunstâncias deram-se em relação ao affectio maritalis anterior que envolvia a vítima e o acusado, e assim, não há de se falar em relação de hipossuficiência.”

Extrai-se que o caso em tela se amolda ao previsto no art. 5º, III, da Lei n. 11.340/06, que dispõe, in verbis:

“Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
(...)
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.”

Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci ressalta:

Relação íntima de afeto: é o relacionamento estreito entre duas pessoas, fundamento em amizade, amor, simpatia, dentre outros sentimentos de aproximação. (...) Na Lei 11.340/2006 basta a convivência presente ou passada, independentemente de coabitação.”

Neste sentido já decidiu esta Turma Criminal:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – ROUBO E CORRUPÇÃO DE MENOR – CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – VARA ESPECIALIZADA AMPLIADA PELA RESOLUÇÃO TJ-534/07 OU VARA CRIMINAL RESIDUAL – INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA – CRIME PRATICADO CASUALMENTE CONTRA MENOR – SITUAÇÃO QUE NÃO SE ENQUADRA NO OBJETIVO DA RESOLUÇÃO – PROTEÇÃO DO MENOR EM SITUAÇÃO DE DESEQUILÍBRIO COM O AGRESSOR EM FACE DAQUELA CONDIÇÃO DE MENORIDADE, E NÃO POR TER OCORRIDO CASUALMENTE DE SER A VÍTIMA UM MENOR – RESOLUÇÃO DO TJMS N. 542/08 – REDEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA DA VARA ESPECIALIZADA – COMPETÊNCIA DA VARA CRIMINAL RESIDUAL – CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA PROCEDENTE. Por interpretação histórica sobre o texto da Resolução TJ 534 de 17 de outubro de 2007, fixa-se a competência da Vara Criminal Residual nos crimes em que a vítima é casualmente um menor, não tendo ocorrido em vista da sua hipossuficiência explorada pelo agente. (...) (TJMS, Rel. Des. Gilberto da Silva Castro, Primeira Turma Criminal, Conflito de Jurisdição - N. 2008.005361-0/0000-00 - Campo Grande, j. Em 22/04/08)

Diante do exposto, com o parecer, conheço do conflito negativo de competência, a fim de declarar competente para processar e julgar o presente feito o juízo suscitado, isto é, o Juiz de Direito da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Campo Grande.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
DECLARARAM COMPETENTE A VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR DA COMARCA DESTA CAPITAL, UNÂNIME, COM O PARECER.
Presidência do Exmo. Sr. Des. João Batista da Costa  Marques.
Relatora, a Exma. Srª. Desª Marilza Lúcia Fortes.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Marilza Lúcia Fortes, João Batista da Costa  Marques e Claudionor Miguel Abss Duarte.

Campo Grande, 12 de agosto de 2008.

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