Vigora no processo penal a regra da
liberdade dos meios de prova (artigo 155 de parágrafo único do Código de
Processo Penal), com algumas exceções legalmente previstas, dentre as
quais destaca-se a proibição das provas obtidas por meios ilegais (art.
5º LVI da CF).
A vedação abrange tanto as provas ilícitas, ou
seja, obtidas com violação de regra de direito material; como as provas
ilegítimas, obtidas com violação de regra de direito processual.
Todas as provas que derivem das ilícitas
padeceram do mesmo vício, conforme prevê a primeira parte do parágrafo
primeiro do artigo 157 do CPP, que adotou a teoria dos frutos da árvore
envenenada, oriunda do direito norte-americano.
Contudo, não será considerada ilegal por derivação a que for obtida por fonte independente ou cuja descoberta era inevitável.
Por fonte independente entende-se aquela prova
que foi obtida autonomamente, não havendo qualquer nexo entre ela e a
prova ilegal.
Por descoberta inevitável, entende-se a situação
em que se demonstra, por probabilidade, que os elementos colhidos a
partir da prova ilegal poderiam perfeitamente serem obtidos a partir de
outro meio. Ou seja, seriam obtidos ainda que não houvesse a prova
ilegal.
Nessas duas hipóteses, como se vê, a relação de
causalidade não existe, de modo que não há que se falar em contaminação:
o vício da prova ilegal não afeta a validade dessas outras.
1. A "EXCEÇÃO DA EXCEÇÃO": A ADMISSIBILIDADE DE PROVAS ILEGAIS NO PROCESSO PENAL
A vedação às provas ilegais no processo penal não
é absoluta, havendo mitigações apontadas pela doutrina e jurisprudência
mais recentes, mediante aplicação do princípio da proporcionalidade.
Pela teoria dos direitos fundamentais, sabe-se
que não há direito absoluto, e sempre que houver colisão entre direitos,
é necessária a ponderação de bens e valores, conferindo-se maior peso
àqueles que possuírem maior importância, de acordo com as circunstâncias
do caso concreto.
O ilustre Gilmar Ferreira Mendes, em seu curso de
Direito Constitucional (Editora Saraiva, edição 2008) assim explica
esse processo: "O juízo de ponderação a ser exercido liga-se ao
princípio da proporcionalidade, que exige que o sacrifício de um direito
seja útil para a solução do problema, que não haja outro meio menos
danoso para atingir o resultado desejado e que seja proporcional em
sentido estrito, isto é, que o ônus imposto ao sacrificado não sobreleve
o benefício que se pretende obter com a solução".
Assim, quando houver outro valor fundamental
protegido que se mostre concretamente mais relevante que o bem atingido
com a obtenção da prova, justifica-se a admissão da prova ilegal.
Logo, a vedação do artigo 5º LVI da CF pode ser
afastada quando houver outro bem de maior importância em jogo, tal qual o
estado de inocência do acusado, e sua ampla defesa.
Já é pacífica a possibilidade de réu valer-se de
gravação ou correspondência, obtidas ilicitamente, com o fim de provar
sua inocência. Nesse caso, a proporcionalidade incide por determinação
específica do legislador, que previu causas excludentes de ilicitude, no
artigo 23 do Código Penal, tais como o estado de necessidade e a
legítima defesa.
Falou-se, até então, em admitir prova ilegal a favor do réu (pro reo).
Contra o réu, a questão tem sido mais polêmica.
Há uma parcela da doutrina que admite a
utilização de prova ilícita contra o réu, ou seja, pro societate, em
casos de grandes reflexos, tais como crimes que representem extremo
risco ao corpo social, mormente crime organizado. Nesse caso o interesse
público preponderaria. Esse entendimento, contudo, não tem prevalecido,
diante dos primados do Estado democrático de direito.
O que se admite é exclusão de ilicitude, quando a
vítima de um crime, defendendo-se de uma injusta agressão, obtém
gravações ou documentos que incriminem o autor do delito (seqüestro ou
extorsão por exemplo). Nesse caso, pode-se dizer que os direitos e
garantias individuais não podem servir de escudo para prática de atos
ilícitos, de modo que o criminoso não poderia se socorrer da proteção
dos sigilos constitucionais. Assim, a prova de acusação seria admitida,
por se tratar de reação justificada.
Situação excepcional julgada pelo Supremo
Tribunal Federal, na Reclamação 2040/DF, foi a admissão de exame de DNA
realizado com placenta da gestante (uma artista mexicana), sem sua
autorização, para instruir processo criminal de estupro, crime do qual
tinha sido vítima. Considerou legal a prova, eis que não houve qualquer
lesão à integridade física da vítima ou de algum dos acusados.
Do mesmo modo, conforme descreve Eugenio Pacelli,
em seu curso de Processo Penal (Editora Lumen Iuris, edição 2007), quem
está em flagrante de delito não pode invocar proteção constitucionais
para não ser incriminado com filmagens ou gravações ambientais.
2. QUESTÕES MAIS COMUNS ENVOLVENDO DIREITOS FUNDAMENTAIS E PROVAS ILEGAIS
Vale tecer algumas considerações quanto a alguns
direitos fundamentais cuja aplicação interessa diretamente ao tema
ilicitude da prova, citando-se exemplos mais comuns.
Com relação ao sigilo de correspondência, embora a
constituição não preveja, predomina que é possível que seja afastado,
quando presentes, no caso concreto, justificativas razoáveis, até porque
não é absoluto.
Um bom exemplo é apontado pela doutrina: correspondência remetida ao preso que contenha plano de fuga e seqüestro de um juiz.
Nesse caso é perfeitamente adequado que os
agentes penitenciários violem a correspondência, eis que, como já se
disse, o sigilo não pode servir de escudo para práticas ilícitas, além
do que a proteção da vida do magistrado e da segurança do presídio
justificam essa prática.
No que diz respeito ao sigilo das comunicações
telefônicas, pode ser afastado mediante interceptação telefônica
judicialmente autorizada, nos termos da lei 9296/96.
Aqui é importante diferenciar interceptação,
tratada pela lei, aquela realizada por terceiro sem consentimento dos
interlocutores, e gravação, que é realizada por um dos interlocutores.
Para gravação não se exige autorização judicial
para sua realização, nem haverá qualquer ilicitude na gravação em si.
Contudo, em razão do direito à intimidade, será ilícita a divulgação do
conteúdo de conversa sigilosa, salvo se houver amparo de excludente de
ilicitude ou justa causa.
Também, não é legal a divulgação de conversa
quando ocorrida em lugar reservado, tal qual domicílio de um dos
interlocutores. Nesse caso incide o sigilo da inviolabilidade
domiciliar.
Em respeito ao direito de não produzir provas
contra si mesmo, não é válida a confissão obtida por agente público em
conversa com o suspeito, sem que tenha lhe informado do seu direito de
permanecer em silêncio.
Será admissível, como prova processual penal, a gravação ambiental de diálogo não sigiloso, ocorrida em lugar público.
3. O ENCONTRO FORTUITO E ILEGALIDADE
Convém ainda ressalvar que são legais as provas
encontradas no cumprimento normal de uma diligência (busca e apreensão
ou interceptação telefônica, por exemplo), desde que não tenha havido
qualquer desvio de finalidade.
Essas podem perfeitamente ser utilizadas no
processo e, no caso da interceptação telefônica, se tiverem conexão com
objeto da investigação. Caso não tenham, servirão como notícia para
instauração de outro procedimento investigativo.
Portanto, as provas decorrentes da extrapolação dos poderes conferidos pelo mandado judicial são ilegais.
4. CONSEQÜÊNCIAS DA PROVA ILEGAL NO PROCESSO PENAL
Se a prova ilícita foi obtida no inquérito, deve
ser arquivado pelo promotor, caso não hajam outras provas que sirvam de
justa causa ao oferecimento da denúncia.
Durante o processo, cabe ao juiz indeferir pedido
de produção de prova ilegal, ou determinar desentranhamento do
processo, caso já conste dos autos, conforme dispõe o caput do artigo
157 do CPP.
Após julgamento, resta a via recursal para
anulá-lo, caso a prova ilegal tenha sido determinante à fundamentação do
órgão jurisdicional. Em se tratando de tribunal do Júri, em que vigora a
íntima convicção, não se poderá medir a influência da prova ilegal na
decisão dos jurados, razão pela qual, em qual caso o julgamento deverá
ser anulado.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, podemos apresentar as seguintes conclusões:
1) Em regra são admitidos todos meios de prova em Processo Penal, ressalvadas exceções legais, tais como a prova ilegal.
2) A prova ilegal é gênero que compreende a prova ilícita e a prova ilegítima.
3) A prova derivada da ilegal é inadmitida porque
sofre contaminação. Contudo, as provas que não tenham nexo com a
ilícita, seja porque provavelmente seriam obtidas por outros meios
lícitos, seja por decorrerem de fonte independente, são válidas.
4) A prova ilícita pode ser admitida no processo
penal por meio da aplicação do princípio da proporcionalidade, quando,
no caso concreto, existirem direitos e valores em jogo mais relevantes
que justifiquem, tais como o estado de inocência do acusado, a ampla
defesa, e o direito de a vítima se defender de injusta agressão.
5) É ilegal toda prova produzida a partir de violação de direito fundamental, sem que haja justificativa razoável.
6) É ilegal a prova produzida em razão de desvio dos poderes conferidos por mandado judicial, na realização de diligências.
7) A prova ilegal deve ser desentranhada do
processo, e caso tenha sido determinante para o julgamento, implicará na
nulidade da decisão.
Fonte: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20081107165102491
Fonte: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20081107165102491
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