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21 setembro 2012

LEI MARIA DA PENHA E SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

O Colendo STF decidiu que nos crimes rotulados como de “violência doméstica” pela Lei Maria da Penha, a ação penal é pública incondicionada. Ou seja, independe da vontade da vítima.
Considerou-se a necessidade de tutela especial do Estado aos delitos praticados naquelas circunstâncias, que deve preponderar sobre o desejo da vítima. Veja maiores informações aqui.
De qualquer sorte, com a devida vênia dos opositores, a despeito de reconhecer minoritária, penso ser cabível a suspensão condicional do processo naqueles delitos, óbvio, desde que preenchidos os requisitos do art. 89 e seguintes da Lei 9.099/95.
É que a vedação do art. 41 da Lei 11.340/2006 não abrange expressamente a hipótese da suspensão condicional do processo.
“Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995
A suspensão condicional do processo não está atrelada aos Juizados Especiais Criminais e aos crimes de menor potencial ofensivo pela simples razão de tal benefício estar estipulado no art. 89 da Lei nº 9.099/95.
Numa interpretação racional e teleológica, percebe-se que são institutos jurídicos absolutamente diversos.
A Lei nº 9.099/95 disciplinou a questão dos crimes de menor potencial ofensivo e as normas de competência e procedimento para o seu processamento e julgamento (JECrim). Mas, inseriu, em tal contexto normativo, o art. 89 que institui o benefício da suspensão condicional do processo aos crimes cuja pena mínima cominada seja inferior ou igual a 01 (um) ano.
Não obstante, aquele benefício não se restringe aos delitos de menor potencial ofensivo, é aplicável a todos os delitos abrangidos ou não pela Lei 9.099/95.
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). Grifei.
Assim, o art. 89 da Lei nº 9.099/95, evidencia tratar-se de uma regra geral, que incide sobre todos os tipos de delitos e procedimentos e ritos criminais.
A rigor, poderia (e quiçá deveria) ser veiculada em um diploma de caráter geral (Código Penal ou de Processo Penal, por ex.), pois cuida-se de instituto jurídico distinto do conceito de crime de menor potencial ofensivo ou do Juizado Especial Criminal. Leia-se, embora apresentado juridicamente pela Lei 9.099/95, a suspensão condicional do processo não guarda qualquer ligação com esta lei.
 Assim entendida a questão, a suspensão condicional do processo não teve sua aplicação expressamente proibida pelo art. 41 da Lei nº 11.340/06.
A finalidade do mencionado artigo foi afastar única e exclusivamente a conclusão de que os crimes de violência doméstica e familiar contra mulheres seriam de menor potencial ofensivo, incidindo as regras transacionais e o procedimento no JECRIM. Não vedou a suspensão condicional do processo, instituto jurídico diverso – que não tem a natureza transacional – e aplicado de maneira geral, observados seus requisitos legais, a todos os tipos de crimes em todos os processos-crime, inclusive sob pena de afronta ao princípio constitucional da igualdade e isonomia.
Tal interpretação, além de encontrar abono nas regras hermenêuticas, alcança a finalidade de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher – prevista na Lei 11.340/2006- e também equaciona a questão da preservação da família e do estado de dignidade do acusado.
Acima de tudo, o escopo da suspensão condicional do processo é evitar a estigmatização derivada do próprio processo. Como conseqüência, acaba evitando também a estigmatização que traz a sentença condenatória. O processo em si já é penoso para o acusado. Participar dos seus rituais (a citação em sua casa, o interrogatório, oitiva de testemunhas etc.) configura um gravame incomensurável. A suspensão condicional, dentre outras, tem a virtude de evitar as denominadas ‘cerimônias degradantes’ (GRINOVER, Ada Pellegrini [ET all], 5ª Ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 263)
É que o acusado terá seu processo suspenso sob prova, por dois a quatro anos, devendo cumprir condições legais e judiciais previamente estabelecidas. Ficará, durante esse tempo, submetido à constante patrulhamento estatal e da própria vítima, tendo a oportunidade de demonstrar senso de responsabilidade e provar, à vítima, que é pessoa de bem. Qualquer desvio de conduta ensejará a revogação do benefício e retomada do curso processual.
Destarte, bem atende aos anseios da vítima e da família, que poderá avaliar o denunciado e evitará o constrangimento de ter que comparecer ao fórum e talvez até depor contra seu marido ou companheiro, não raro genitor dos seus filhos.
De outro giro, o denunciado terá a oportunidade de demonstrar senso de responsabilidade, ao Estado e à família, bem como não sofrerá qualquer anotação criminal em sua folha de antecedentes, o que apenas prejudica o seu futuro e até da sua família, pois poderia ser impedido de conseguir trabalho remunerado.
A prática forense demonstra que, habitualmente, processos dessa natureza, sem a aplicação do instituto da suspensão condicional do processo, é que culminam em impunidades. Os fatos normalmente ocorrem no recôndito do lar, sem testemunhas presenciais, alicerçados apenas nas declarações da vítima. Esta, encontrando-se no paradoxo acima (processar e ver condenado seu marido e pai dos filhos), em juízo, traz versões antagônicas inocentando o réu.
A aplicação de tal instituto, como medida de política criminal, apenas viria a fortalecer a tutela das mulheres em situação de violência doméstica e familiar, portanto.
Traz-se à baila, de forma genérica, o mandamento do art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil: “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. E, em especial, o art. 4º, da própria Lei 11.340/2006 que orienta a sua interpretação: “na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar”.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. CRIME DE LESÃO CORPORAL COMETIDA NO ÂMBITO FAMILIAR CONTRA MULHER. LEI  MARIA DA PENHA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ARTIGO 41 DA LEI Nº 11.340/06. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1.  Na interpretação literal do artigo 41 da Lei Maria da Penha (11.340/06), o artigo 89 da Lei nº 9.099/95, não se aplica aos delitos de violência doméstica contra a mulher, cometidos no âmbito familiar.
2. Sopesados, porém, o conteúdo da Lei em questão e o disposto no artigo 226, parágrafo 8º, da Carta Magna, e contrariando o entendimento adotado por esta E. Sexta Turma, conclui-se que, no caso em exame, a melhor solução será a concessão da ordem, porque o paciente e a ofendida continuam a viver sob o mesmo teto.
3. Ordem concedida, para cassar o v. acórdão hostilizado e a r.
sentença condenatória, determinando-se a realização de audiência, para que o paciente se manifeste sobre a proposta de suspensão condicional do processo oferecida pelo Ministério Público Estadual.
(HC 154.801/MS, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 03/11/2011)
Habeas Corpus. Crime de Violência Doméstica. Possibilidade de aplicação da suspensão condicional do processo (art. 89, da Lei nº 9099/95). Paciente denunciado pelo crime previsto no artigo 129, §9º, do Código Penal.O art. 41 da Lei nº 11.340/06, que proíbe a aplicação da Lei nº 9099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, não ofende o princípio constitucional da isonomia, tratando-se de opção legítima do legislador em proteger a mulher, parte que entendeu estar mais vulnerável nas relações domésticas.Entretanto, nessa proibição não está incluída a possibilidade de suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei nº 9099/95, dispositivo de aplicação geral e que alcança todo o sistema normativo penal. Como é sabido, foi inserido no texto da Lei nº 9099/95 por mera conveniência legislativa, já que era tratado em projeto diverso. No mesmo sentido, o Enunciado nº 84 do III Encontro de Juízes de Juizados Especiais e Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro (III EJJETR), dispõe que É cabível, em tese, a suspensão condicional do processo para o crime previsto no art. 129, parágrafo 9º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.340/06. Ademais, o art. 4º estabelece que na interpretação da Lei serão considerados os fins sociais a que ela se destina, sendo certo que muitas das vezes a suspensão condicional do processo é a medida mais adequada, pois mantém o réu sob a vigilância do juízo por pelo menos dois anos, sem prejuízo de eventuais condições específicas que o magistrado impuser de acordo com as circunstâncias do caso. Ordem concedida para determinar que o Ministério Público seja intimado a se manifestar sobre a aplicação da suspensão condicional do processo. (TJRJ – HC nº2007.059.04592 – Primeira Câmara Criminal – Rel. Des. Mario Henrique Mazza, j.04.09/2007). 

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